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segunda-feira, 15 de janeiro de 2007

Dois seres (Nilto Maciel)




Há poucos dias estamos aqui. Trouxeram-nos um homem, uma mulher e uma menina. Chegamos dentro de uma jaula. Vivíamos numa jaula maior, com outros inúmeros semelhantes nossos. Não sabemos como eles estão, nem se ainda vivem no mesmo lugar. Nossos dias e nossas noites são sempre iguais. Dormimos muito, porque não temos quase nada a fazer. Passamos quase todo o tempo comendo a ração que nos dão, dormindo ou brincando numa roda. Às vezes o homem aparece, fuma, bebe, olha para a rua, o céu, conversa sozinho. Olha para nós e some. A mulher surge sempre à mesma hora: põe a ração dentro do pequeno estojo, despeja água noutro estojo, molha as plantas, fala alto e nos xinga.

A rosa gótica (Donaldo Schüller)


Houve um momento em que o romance quis competir com a ciência. Passou a documentar. A linguagem fez-se austera. Os romancistas tiveram o cuidado de aproximar-se cautelosamente das coisas. A vertigem cientificista não durou muito. Os próprios cientistas começaram a duvidar da perenidade de seus achados. Os periódicos documentavam melhor que o romance. E o faziam vertiginosamente. O romance se deu conta de seu parentesco com a poesia. Vieram Proust, Joyce, Guimarães Rosa... onde está a diferença entre romance e poesia? A Rosa Gótica é um romance ou é um romance sobre o romance? É ambas as coisas. É uma aventura de linguagens sobrepostas que nos levam para a inquietante ebulição da Idade Média. A ação nos arrasta a uma sarabanda de textos e de idéias a que não podemos ficar indiferentes porque é a nossa própria história, individual e coletiva, que está em jogo.

(Orelha de A Rosa Gótica, Fundação Catarinense de Cultura, Florianópolis, SC, 1997)
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