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terça-feira, 23 de janeiro de 2007

O sonho da princesa (Nilto Maciel)




Fugiu do castelo montada num cavalo branco. A noite parecia a mais escura de todas. E se bruxas saíssem em seu encalço? E se vampiros sedentos de sangue virgem a esperassem nos atalhos? E se o dragão, aquele imenso monstro, aparecesse? Pela estrada, porém, seu pai, o rei, todo dia cavalgava. E nunca o atacaram seres maus. Se o atacassem, seriam dizimados por sua furiosa espada. E pelas armas dos leais soldados.
Havia, porém, outro perigo. Se o cavalo deixasse a estrada e se metesse na floresta? Não, aquele cavalo, o predileto do rei, não se atreveria a cometer tamanha insensatez. Nem ele nem outro. Nem mesmo cavalos cegos.
Reclusa no castelo, a princesa imaginava reinos distantes e, sobretudo, seu príncipe encantado. Quando o conhecesse, imediatamente se casaria com ele. Teriam muitos filhos e viveriam felizes para sempre. No reino do faz-de-conta.
No meio da noite, a princesa sentiu sono e fadiga. Freou o animal e apeou. A estrada parecia sem fim. O reino de seu pai abarcava o mundo. E onde ficava o reino onde vivia o príncipe de seus sonhos? Olhou para o céu. As estrelas a protegeriam das trevas. As nuvens deslizaram mais e a vaga luz da Lua chegou até aquele perdido pedaço do reino. Que maravilha! A princesa ensaiou passos de dança. Rodou, rodopiou, sorrindo. Parou, cambaleou, olhando para o animal. E teve um grande susto. Havia um chifre no meio da testa dele.
Era um licorne.
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A rosa gótica (José Teles)



Alternativa não menos airosa é A Rosa Gótica, de Nilto Maciel. E permitam-mo, sem duelar encômios, fazer uma exegese sem compromisso para com a urdidura e tessitura da obra. O projeto gráfico se harmoniza com uma ortodoxia léxica e lógica, mimoseado por uma acústica violínica das orelhas de Fernando Py. O ritmo narrativo é de domínio pleno: imaginação, loucura e artefatos se misturam dando ao romance o tom caleidoscópico, numa imagética que navega até a foz do rio das infâncias. Nilto se precipita de alma a baixo, e sai atropelando seitas e conceitos, rezas e manias. A temática não se dispersa, varando todo o texto como ventania nos descampados. Depois, tudo é gozo e silêncio. Há, pois, uma intertextualidade, que se comprime e explode em síntese, para logo se transformar em catarse e mistério. O poeta se transforma em iconoclasta da ferrugem literária que oxida idéias e contextos. O fazer literário em A Rosa Gótica, aliás, assume foro universal, abre espaço novo na trama do imaginário e consolida o imagético como força comunicadora. E, através de espasmos dialéticos, deixa ao ledor a alternativa pitoresca de, também, romancear suas memórias, seus dramas, suas miragens: “Afinal, existe o romance? E quem seria o autor?” Nilto ainda abre e fecha o texto, caminhando, ora por frouxas veredas, ora por espaços liliputianos, consumindo todo o poder de síntese de sua criatividade. E viaja pelas sendas do inverossímil, procurando atalhos de cortesia. Tudo se complica, porém, quando o autor, em gargalhada mefistofélica, questiona: “E se tudo tiver sido impostura? E se os próprios críticos franceses forem invenção de Lamartine?”