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terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

Circuito (Nilto Maciel)




“Entramos nos quarenta anos com a inexprimível idéia de que o nosso simples e silencioso matrimônio de irmãos era o fim necessário da genealogia fundada pelos bisavós em nossa casa.”
Julio Cortázar, Casa tomada.


Cansados de vagar pelas ruas, famintos, Daniel e Irene pararam diante de um bar. Se não encontrassem comida, ao menos descansariam. Outra pousada talvez não houvesse por perto.

O garçom ofereceu-lhes vinho, cerveja, vodca, uísque. Aceitaram vinho com salame. Ela abaixou a cabeça, quase até a tábua da mesa. Ele olhava sutilmente para os outros bebedores. Um deles, exaltado, falava mal do governo. Outro cochilava diante do copo. Havia bigodes volumosos, barbas ralas, dentes luzidios, olhos faiscantes.

O corpo que cai (Manoel Hygino dos Santos)



 
O primeiro parágrafo de "A última noite de Helena" leva a admitir que se terá algo que lembra "Um corpo que cai", o belo filme de Hichtcock. Mas logo se verifica que a idéia inicial é falsa. Porque o livro de Nilto Maciel é, antes de tudo, eminentemente brasileiro, sem os cenários e personagens magistralmente levados à tela pelo cineasta inglês. Mas o leitor haverá de convir com a semelhança. Helena morreu ao cair da torre do sino da matriz de uma cidade pequena do interior, onde todos, ou quase, se conheciam. Segundo as investigações, a jovem não pulara, descartando-se a hipótese de suicídio. Morte misteriosa e escandalosa, porque em Palma nunca se matava mulher. Sequer nos cabarés, onde frequentemente se registravam desordens. Quanto mais em uma igreja, onde só falecia o filho de Deus, mesmo assim durante a missa.