Translate

segunda-feira, 11 de junho de 2007

Uma página de Robbe-Grillet (Nilto Maciel)




















Quando Jean Denis Lanson esteve no Brasil, o repórter Guido Mocho foi incumbido de entrevistá-lo para o Diário da Tarde.

Segundo o editor, só Guido poderia realizar uma boa entrevista. “Você sabe francês, e basta”.
O repórter quis se esquivar. Ora, não entendia nada de literatura. Quando estudante, havia lido meia dúzia de romances, sem qualquer prazer. Alencar, um chato. Machado, enfadonho. E sempre confundiu Manoel Antonio de Almeida com Joaquim Manuel de Macedo. A Moreninha e Memórias de um Sargento de Milícias lhe pareciam do mesmo autor. “E quem lhe disse que o homem é literato?”

sábado, 9 de junho de 2007

Falsificadores e canibais (Nilto Maciel)

















Florídio Mandrano deixou apenas um caderno manuscrito. A caligrafia é um primor. Nenhuma rasura. O texto, no entanto, é pura desordem. Como se sua mente estivesse em ebulição. Nas primeiras linhas tentou justificar o não ter escrito nada até então. Fala de medo da mediocridade e da imitação. E cita trecho do livro A Arte da Falsificação, do sueco Vilgot Sucksdorff: “Quem falsificou a Bíblia? Segundo Domitius Tacitus, o primeiro falsificador do Gênesis teria sido o apóstolo Paulo”.

Tacitus escreveu uns comentários ao Gênesis, em latim. O livro permaneceu ignorado durante séculos. Sua primeira tradução se deu em 1785, por Nikolai Tcherenkov. No prefácio, o tradutor russo afirma ter tomado conhecimento da existência dos “comentários”, ao ler uma carta de Karl Thorvaldsen a Hans Staden. Nela, o pesquisador dinamarquês anuncia a publicação de seu Os Canibais da Ilha de Java.

Um dos capítulos mais intrigantes do livro de Thorvaldsen, intitulado "Como devoravam crianças", traz a seguinte descrição: “O matador aproximava-se da vítima e desferia-lhe um golpe na nuca. Logo lançavam o corpo à fogueira. Ainda mal assado, retiravam-no e punham-se a esfolá-lo”.

Acusaram Thorvaldsen de falsificar Staden. Todas as informações constantes de seu livro teriam sido colhidas em Staden. Ou seja, transportou os canibais do Brasil para Java. Criativo, narra minuciosamente diversas cenas de canibalismo.

Ao final do caderno, Florídio cita o livro Fundamentos do Canibalismo, de Sándor Thököly. Nenhuma referência ao livro de Thorvaldsen. Há, porém, diversas citações de Staden.

Uma das idéias centrais do escritor húngaro associa o ato canibal ao ato sexual. Neste, o sujeito passivo da relação estaria sendo devorado pelo outro. Sobretudo nas relações não atinentes à procriação, como o coito anal e a felação. E cita o exemplo clássico da aranha fêmea, que devora o macho após o acasalamento.

É também de Thököly o polêmico ensaio Violência e Morte. Analisa o comportamento violento de animais e do homem. “A inteligência superior — diz — não impediu que o homem continuasse violento. Nesse aspecto, o homem moderno em nada difere do primitivo”.

Sándor Thököly foi vítima da violência humana. Assassinaram-no a facadas numa rua de Budapeste. A polícia nunca descobriu o homicida. Ou os homicidas. Já Florídio Mandrano foi devorado por um leão de zoológico.
/////