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domingo, 9 de dezembro de 2007

Gilberto Mendonça Teles: 50 anos de poesia (Adelto Gonçalves*)


(GilbertoMendonça Teles)


Meio século de poesia não é para qualquer um. Ainda mais se a poesia é de alta qualidade. Pois foi exatamente meio século de atividade poética que Gilberto de Mendonça Teles comemorou em 2005. Para assinalar a data, Eliane Vasconcellos reuniu no livro A plumagem dos nomes/Gilberto: 50 anos de Literatura, de 812 páginas, não só poemas dedicados ao poeta – entre os quais se destacam dois saídos da pena de Carlos Drummond de Andrade em 1970 e 1971 – como poemas do autor traduzidos para outros idiomas, além de depoimentos, resenhas e ensaios publicados em jornais e revistas, prefácios, excertos de teses e dissertações, entrevistas do homenageado, cartas recebidas e fotografias de várias épocas.
Que o livro só tenha saído em 2007, pela Editora Kelps, de Goiânia, com o apoio da Secretaria de Cultura da Prefeitura local, explica-se pela dificuldade da organizadora em juntar tão farto material sobre o poeta. Além de textos publicados em jornais e revistas de todo o mundo lusófono, reúne as comunicações apresentadas no seminário “50 Anos de poesia de Gilberto Mendonça Teles”, realizado de 10 a 14 de outubro de 2005, na Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro.
Deste articulista, consta a resenha “A influência de Camões no mundo lusófono”, publicada no suplemento Das Artes Das Letras d´O Primeiro de Janeiro, do Porto, de 18/7/2004. De autores ligados a´O Primeiro de Janeiro, consta ainda o prefácio que Arnaldo Saraiva, professor de literatura brasileira da Universidade do Porto, escreveu para Falavra (Lisboa, Dinalivro, 1989), destacando que Gilberto Mendonça Teles pertence à raça dos poetas-professores, uma linhagem que abriga nomes como Samuel Beckett, Dámaso Alonso, Vitorino Nemésio, David Mourão-Ferreira, Manuel Bandeira e Cecília Meireles, entre outros.
Mas há ainda contribuições de outros críticos e professores portugueses, como Agostinho da Silva, Fernando Cristóvão, Jacinto do Prado Coelho e João Bigotte Chorão e da professora Vânia Pinheiro Chaves, há muito tempo radicada na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Além, é claro, de textos de grandes poetas brasileiros como João Cabral de Melo Neto, Murilo Mendes, Joaquim Inojosa, Ferreira Gullar, Ledo Ivo, Manuel Bandeira e Ivan Junqueira e críticos e professores como Alceu de Amoroso Lima (Tristão de Athayde), Afrânio Coutinho, Alfredo Bosi, Antonio Carlos Secchin, Fábio Lucas, José Guilherme Merquior, Adriano Espínola, Fernando Py, Leodegário A. de Azevedo Filho, Silvio Castro e Melânia Silva Aguiar, bem como estrangeiros de renome como o crítico espanhol Carlos Bousoño, o poeta espanhol Jorge Guillén, o alemão Curt Meyer Clason, tradutor de Guimarães Rosa, e a professora italiana Luciana Stegagno Picchio.
II
Gilberto Mendonça Teles nasceu em 1931 em Bela Vista de Goiás, antiga Suçuapara, e morou em várias pequenas cidades do interior goiano, acompanhando a saga do pai comerciante. Viveu em Goiás até 1965, quando, já professor experiente, ganhou bolsa para estudar em Lisboa e Coimbra. Depois, já professor concursado da Universidade Federal de Goiás, lecionou de 1966 a 1970 no Instituto de Cultura Uruguaio-Brasileiro, em Montevidéu, por conta do Ministério das Relações Exteriores do Brasil.
Foi aposentado em 1969 por ato discricionário do regime militar (1964-1985) em 1969, o famigerado Ato Institucional nº 5, tendo se transferido no ano seguinte para o Rio de Janeiro, onde começou a lecionar Literatura Brasileira e Teoria da Literatura na PUC-RJ, apesar das investidas da polícia política da ditadura. A seguir, transferiu-se para Porto Alegre, onde obteve os títulos de doutor em Letras e livre-docente em Literatura Brasileira na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Em 1983, foi nomeado professor catedrático visitante de Literatura Brasileira na Universidade de Lisboa, onde ficou até 1985. Depois, transferiu o cargo de professor titular da Universidade Federal de Goiás para a Universidade Federal Fluminense, aposentando-se nele em 1990.
Apesar de todo esse périplo, é natural que a paisagem goiana assuma-se como pano de fundo de boa parte de sua produção poética. A paisagem, no entanto, é apenas pretexto para evocar a infância, as lendas do sertão e as figuras que povoaram o seu tempo de menino, numa poesia que lhe permite homenagear a terra natal, como o faz em “Lira Goiana”, de Saciologia Goiana, que reúne poemas escritos entre 1970 e 1981: (...) quero ser como um instante de arco-íris/ nos olhos das mulheres de Goiás.
Situado arbitrariamente na geração de 45, provavelmente porque em seus primeiros versos ainda convirjam influências parnasianas e simbolistas, Gilberto Mendonça Teles é um legítimo representante da geração de 60 não só por uma questão de idade como por praticar uma poesia impregnada de irreverência, inconformismo e, especialmente, experimentalismo, como são prova os poemas de Improvisuais, livro parcialmente inédito até a edição de Hora Aberta: poemas reunidos, que saiu em 2003 pela Editora Vozes, de Petrópolis-RJ, com organização de Eliane Vasconcellos e prefácio (que mais é um estudo introdutório) do professor Angel Marcos de Dios, catedrático da área de Filologia Galega e Portuguesa da Universidade de Salamanca, Espanha.
Hora Aberta guarda algumas das experiências mais avançadas já feitas em poesia – que se confundem com arte fantástica, surrealista, sem deixar de recordar os experimentos dos concretistas. Lírico assumido – “No fundo, eu sou mesmo é um romântico inveterado”, diz na abertura do poema “Modernismo” de Cone de Sombras, que reúne peças escritas entre 1980 e 1985 –, o autor chegou, no 50º aniversário de sua atividade poética, a um estágio em que seu trabalho já prescinde dos rótulos e começa a influenciar novas gerações.
III
Ao estrear em 1955, aos 24 anos de idade, com Alvorada, e publicar logo depois, em 1956, Estrela d´Alva, ambos em edição de autor, e Planície, em 1958, ainda em Goiânia, Gilberto Mendonça Teles já despertara a atenção pelo lirismo que marcava seus versos. Não houve quem, ao resenhar seus primeiros livros, não saudasse o aparecimento de um poeta lírico e de aspirações nobres e previsse produções futuras da melhor qualidade.
Com mais de mil e cem páginas, Hora Aberta, além de abarcar 16 livros, quase todos premiados, inclui Álibis (2000), Arabiscos (inédito) e Improvisuais, cujos poemas têm sido divulgados em antologias. Traz na íntegra os dois primeiros livros, Alvorada e Estrela-d´Alva, de que se havia publicado – nas três edições anteriores – uma pequena seleção, reunindo ainda Poemas Avulsos, saídos à luz em jornais e revista antes da estréia e, no fim do volume, Caixa-de-Fósforo, aparecido em 1999.
Ao optar por reunir na abertura suas produções mais recentes, como as peças de Arabiscos, o autor convida o leitor, logo de imediato, a conhecer o seu estágio atual como sinalização autocrítica para o que veio antes. Dessa maneira, é possível, de modo inverso, acompanhar o percurso de um trabalho que pode ser dividido em três
passagens, como sugere no prefácio o professor Angel Marcos de Dios.
A primeira compreende o período de assimilação das técnicas retóricas dos clássicos, românticos, parnasianos e simbolistas, que corresponderia aos dois livros iniciais em que o poeta dirige-se ao seu “eu-poético”, voltado apenas para o seu interior, suas emoções: Deixa rolar no caos do pensamento largo/ a profunda amargura, o sofrimento amargo/ que habitam na tua alma entre ânsias sufocadas,/ entre anseios de amor e esperanças frustradas, diz no poema “Exortação” incluído em Alvorada.
Versos juvenis, os poemas de Alvorada trazem em seu bojo as matrizes românticas que presidem as primeiras manifestações do poeta, como se vê em “Lamento”: Pobre de ti, não tens uma ilusão sequer!/ Nunca provaste um lábio ardente de mulher/ virgem. Pungentes ais, nem suspiros tiveste/ De um seio de mulher. Qual sombrio cipreste/ passaste a mocidade à beira de um jazigo,/ desse jazigo obscuro e que trazes contigo/ dentro do coração, onde, parvo, enterraste/ todo o teu ideal e tudo o que sonhaste. No artista ainda jovem, surpreende a domínio que exibe da métrica tradicional, embora nunca deixe de acrescentar aspectos de renovação aos sonetos.
Já a segunda passagem do itinerário começaria com Planície, seguindo até Arte de Amar, de 1977, em que o poeta já se mostra mais preocupado com a linguagem. É exatamente a fase em que Gilberto Mendonça Teles alcança o reconhecimento como um dos críticos mais importantes do País, autor de pelo menos três obras fundamentais nos estudos literários: Drummond – a Estilística da Repetição, de 1970, Camões e a Poesia Brasileira (hoje na 4ª edição, revista e aumentada) e Vanguarda Européia e Modernismo Brasileiro (hoje na 16ª edição), ambos de 1972.
Da segunda etapa, são pelo menos três grandes livros – Sintaxe Invisível, de 1967, A Raiz da Fala, de 1972, e Arte de Amar, de 1977. De A Raiz da Fala, é o poema “Signo” em que as experiências com metalinguagem se radicalizam: A tua forma é o movimento/ da música na fraude do pântano./ O teu rasto, o sinal cifrado/na linguagem do mar.
Neste período, que duraria quase duas décadas – pouco mais que o tempo de uma geração, segundo o célebre critério de Ortega y Gasset –, muitos críticos acreditam que a poesia de Gilberto Mendonça Teles tenha alcançado o seu maior grau de transcendência, o que deixaria supor que, a partir daí, teria entrado em declínio. Essa avaliação, no entanto, não corresponde à verdade porque é na fase seguinte – a atual – que o poeta aparece livre de todas amarras e influências, com uma linguagem própria, inconfundível.
Essa terceira fase, que se refere aos livros mais recentes, é de uma poesia mais denotativa, com uma linguagem o menos metafórica possível que busca decididamente a ironia e o humor. É marcada não só por um retorno à infância como por um psiquismo doloroso inspirado nas idéias de Gaston Bachelard, que, aliás, oferece a epígrafe que abre Plural de Nuvens, livro que reúne poemas escritos entre 1982 a 1985.
Se tudo o que o poeta toca não vira ouro, a exemplo do Rei Midas, pelo menos se transforma em linguagem: Tudo em mim é desejo de linguagem, diz o primeiro verso de “Poiética (fragmento)”, poema de Álibis, de 1997, que bem define a sua atual fase. Esse verso, aliás, pode ser tido como a metáfora-catalisadora de sua obra, até porque resume a atitude poética que levou muitos críticos a considerá-lo o “poeta da linguagem”, epíteto que desde então o acompanha.
Em “Poiética (fragmento)”, a contradição entre razão e experiência está posta de forma rigorosa: (...) minha própria emoção, esta passagem/ à espessura das coisas, o convite/ ao mais além da sombra e do limite/ e esta confirmação da realidade/ na plumagem dos nomes, na verdade,/ têm seu lado e segredo, é pura essência/ do que se fez em silêncio e reticência. O entendimento não alcança o que vai além do corpo, mas a poesia pode intuí-lo: (...) a criação se dá quando o perdido/ se transforma em sinal que alguém atende,/ alguma boa fada, algum duende,/ uma força maior que nos excita/ a deixar logo alguma coisa escrita.

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A PLUMAGEM DOS NOMES/GILBERTO: 50 ANOS DE LITERATURA. Organização, introdução e notas de Eliane Vasconcellos. Goiânia: Editora Kelps, 2007, 812 páginas. E-mail: kelps@kelps.com.br
HORA ABERTA: POEMAS REUNIDOS, de Gilberto Mendonça Teles. 4ª ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2003, 1113 páginas. E-mail: editorial@vozes.com.br

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(*) Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail: adelto@unisanta.br
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sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

O sétimo aniversário de Branca de Neve (Nilto Maciel)





No final da tarde, Sandra e Morais davam ordens aos garçons e os últimos retoques no salão de festas, arrumavam os docinhos, os enfeites. Não paravam de falar aos filhos para que se comportassem. Nada de briguinhas, confusões. Queriam uma festa sem defeitos. Luzia, fantasiada de Branca de Neve, ia e vinha pelo salão, sorriso em todo o rosto. Olhava os ornamentos das mesas e paredes. Vistoriava o pequeno palco. Bruno se acercava das guloseimas, pronto a dar o bote. Saulo brigava com o irmão. Não metesse a mão em nada. Morais completava a admoestação. Nenhum deles devia se antecipar ao início da festa, servindo-se antes da chegada dos convidados. Impacientavam-se todos. As crianças corriam, os pais fumavam e se irritavam. E nada de convivas. “Será o trânsito?” Inquieto, Morais chamou um garçom. Sandra se exaltou. O marido não devia beber antes da chegada dos amigos. “Cerveja ou uísque?” A senhora acendeu mais um cigarro e se pôs a andar pelo salão, a revistar adornos e manjares. Um rapaz se apresentou, carregando uma filmadora. Morais pôs-se a dar-lhe instruções. Os meninos ora corriam, ora se abeiravam das mesinhas repletas de gulodices. O sol se punha atrás dos prédios.
A chegada de Xênia, Osvaldo e filhos causou exaltação nos anfitriões. Alegria geral, abraços, risos. Iniciaram-se as filmagens. A menina Ana correu ao encontro de Luzia e entregou-lhe um presente. As demais crianças se fizeram arredias. Sentaram-se os quatro adultos. Morais sorvia goles de cerveja. Cheio de euforia, gritou pelo garçom: trouxesse copos para o casal amigo. Sandra reclamou: queria também um copo. Luzia abriu o embrulho, com pressa, sob as vistas dos irmãos e visitantes. Bateram palmas, deram vivas. A aniversariante arrastou a amiguinha pelo braço: iria mostrar-lhe todo o salão. Branca de Neve e os Sete Anões, desenhados e pintados em folhas de cartolina e isopor, anunciavam fantasias. O palco, a cortina, o pano de fundo. “Vai haver uma peça, sabia?”
Sandra anunciou a chegada de Elizabete, Jonas e a pequena Vanessa. E levantou-se para recebê-los. A menina correu na direção de Luzia, presente à mão. Mais abraços, beijos, parabéns. Morais gargalhava, enquanto Jonas se esforçava para mostrar a musculatura do braço. Sandra falava alto. Os garçons serviam bebidas e salgadinhos.
Adão surgiu de mansinho, a esbanjar fumaça pelas narinas. Os anfitriões se disseram surpreendidos. Não o esperavam para tão cedo. O convidado conduzia um objeto embrulhado em papel colorido. Perguntou pela aniversariante. Gritaram-lhe o nome. Luzia sorriu e correu. Apresentavam Adão aos casais convidados quando se anunciaram Onira, Getúlio e duas meninas. Elizabete cruzou as pernas. Onira ajeitou os óculos, enquanto acariciava a filha: “Continua dando aulas?” Morais fumava, Sandra ria e gargalhava: “Continue filmando, rapaz.” Elizabete gritou por Vanessa. As meninas recém-chegadas se dirigiram a Luzia. Queriam entregar uma lembrança, apenas uma lembrancinha. Getúlio passava mão na testa, e parecia rir ou chorar. Osvaldo olhou para o relógio de pulso. Adão dava risada a gosto. Luzia controlava o sistema de som. As crianças iam e vinham pelo salão, olhos nas iguarias. Umas dançavam, outras conversavam. Sandra chamou a aniversariante. Hora de dar início à encenação. Rebuliço no salão. Mais convidados chegavam, carregados de mimos e sorrisos. “Vamos iniciar o teatro. Apaguem as luzes e silêncio.” Bateram palmas. A anfitriã dava ordens ao cinegrafista: não deixasse escapar uma só ação da peça. No palco, acendem-se algumas luzes. Dois personagens se mostram em vestes reais. Mimam uma boneca: a filha há tempos esperada. O rei (Morais) se dirige à rainha (Sandra): A filha teria por nome Branca de Neve. A platéia bate palmas. Xênia ajeitava o cabelo, olhos fitos no palco. O narrador anuncia a morte da rainha. O rei se põe a chorar. Sandra retira-se do tablado e corre à mesa, a rir. Movimento inverso realiza Xênia. O narrador anuncia: O rei terá nova esposa. Um padre passa a celebrar o casamento real. Getúlio mete mão no bolso. A meninada permanecia silenciosa. A nova rainha se mira frente ao espelho mágico: “Existe alguém mais linda do que eu?” A garotada grita “existe, existe.” Jonas alisava o queixo. Sandra fumava. Luzia entra em cena: “Sou Branca de Neve.” A rainha se observa diante do espelho e pergunta quem é a mais bela do reino. Uma voz vinda dos fundos grita: “Há uma menina muito mais bela do que Vossa Majestade”. Morais se retira do palco e chama um garçom: “Mais cerveja, que o rei está morto”. Risos e gargalhadas. Luzia pede silêncio, irritada. Sobe ao estrado Jonas. A rainha se dirige a ele e ordena: “Leve a menina ao bosque, mate-a, arranque o coração e o traga a mim”. Onira cochichava para Sandra. O caçador arrasta a princesa pelo braço. A menina grita e cai. Riem na platéia. Sandra brada: “Cuidado com minha filha.” Luzia se ajoelha e pede clemência: “Não me mate, por favor.” Jonas, o caçador, ergue a mão, olha para a menina e também se ajoelha: “Perdão, princesa. Vou enganar a rainha. Ela quer o seu coração, como prova de que a matei. Vou, pois, matar um cervo e arrancar-lhe o coração. Fuja para bem longe daqui”. Luzia corre para o fundo do palco e Jonas sai pela lateral. Reaparece no salão, a rir e ajeitar a camisa. Batem palmas. Onira olha de viés. Xênia se ergue e se retira. Branca de Neve reaparece no palco; ao fundo o desenho de uma casinha. Deita-se numa caminha e adormece. Jonas esfrega as mãos e levanta os ombros. Entram no palco sete anões, representados por meninos e meninas. Onira cutuca um pé de Sandra. A princesa desperta. Os anões se põem a conversar com Branca de Neve. Sandra quebra um copo. Alvoroço no salão. Morais fumava e batia pé no chão. Reaparecem a rainha e o espelho: “Quem é a mais bonita do reino?” Uma voz rouca ecoa no salão: “A mais bela de todas é Branca de Neve.” A rainha se desgrenha. Risos, vaias. Getúlio ajeita o cabelo com mão. Uma bruxa (Sandra), disfarçada de velhinha, carrega maçãs numa cestinha e bate à porta da casinha dos anões. Jonas enche a boca de empadas. A bruxa oferece uma maçã à princesa. Gritos, conselhos: “Não aceita a maçã; é envenenada.” Luzia sorri, olha para a platéia: “Eu tenho que aceitar e comer. Faz parte da história.” Dá uma mordida na maçã e cai. Os anões gritam, choram. Os convidados batem palmas. Xênia olhava para as coxas de Getúlio. Entra em cena o príncipe, representado por Saulo. Elizabete aproxima-se de uma das mesas, rebolando-se. A princesa ressuscita. Luzia se ergue e abraça o irmão. O narrador fala do casamento da princesa. E encerra, em voz pausada: “E viveram felizes para sempre.” Mais palmas, assobios, aplausos. Xênia pinta-se diante de espelhinho, calada. As luzes se acendem. Palmas, gritinhos, ovações, agitação na platéia. As crianças se dispersam, correm. Sandra olhava para a barriga de Jonas. A aniversariante pergunta se está na hora dos parabéns. Sua mãe levanta-se, retira-se da mesa e grita: “Vamos cantar os parabéns.” A criançada se agita e corre em direção à mesa maior. Luzia se posta junto ao bolo. Todos cantam “Parabéns pra você”. O grande bolo com sete velinhas é cercado de adultos e crianças. Aparecem fotógrafos de todos os lados. Luzia sopra e apaga as velas do bolo. O primeiro pedaço entrega à mãe ou ao pai? Abraços, beijos, gritos, cantos. Inicia-se a distribuição do bolo em pratinhos. Osvaldo não pára de falar: “Bebida é fundamental, tudo é droga.” Getúlio ajeita a cabeleira e anuncia, baixinho, para Osvaldo: “Sonho que sou escravo.” “Escravo da mulher? Só se for da melhor.” “Com mulher de farda nem o Diabo pode.” Onira deixa a mesa, irritada. Sandra sai atrás dela. “Ele tem outra.” Getúlio olha para elas e se volta para Osvaldo: “Casamento não foi feito para mim.” Adão ajeita os óculos e discorre sobre sexo imaginário. Xênia alisava a face: “Amizade com mulher, até certo ponto.” Onira olhava para o busto de Xênia: “Sabia do nascimento do bebê de Oxesiscrana?” Adão ajeitou os óculos, cigarro nos dedos, e separou-se do grupo. Osvaldo chupou o copo: “Todo governante é ditador.” “Todo ditador é governante.” “Não, toda mulher quer governar homem.” Morais olhava para Jonas: “Clube de futebol virou negócio.” “Tudo é negócio mesmo.” “Como é aquela frase? Tempo é dinheiro.” “Time is money.” Adão acendeu um cigarro: “Droga significa volta à inocência.” “Usar droga para não ser adulto?” “Ele quer dizer o seguinte: drogado parece criança.” “Não é bem isso.” Elizabete piscou para Sandra: “Homem tem de ser fogoso.” “Muito fogo para se queimar.” “Não vá me queimar com esse cigarro.” Sandra fumava e olhava para os quadris de Elizabete: “Homem só pensa em sexo na hora, pouco antes, muito antes, mas só por um minuto.” Sandra, Elizabete, Xênia e Onira se dão as mãos e se põem a dançar. “Na Idade Média o casamento...” “A idade média para o casamento deve ser aos vinte anos.” “Cadê os sete anões?” “Mais cerveja aqui, garçom.” “ E a aniversariante já fugiu com o príncipe?” “Quem quer bolo?” “O príncipe se escafedeu, se safou.” “Morais, ainda tem uísque?” Jonas mordeu orelha de Elizabete: “Adoro orelhas.” Ela se esquivou: “Adoro minhas crianças e odeio cigarro, bebida, conversa fiada.” Um casal com filhos se despedia dos anfitriões e da aniversariante. Derrama-se cerveja numa mesa. Crianças pulavam, corriam, se esgoelavam. Onira chamou o marido. Adão tentava conversar com Getúlio: Sabia o significado dos anões? “Uma louca!” Sabia? “São os sete pecados capitais?” Mais convidados se retiravam. “Por que já vão?” Espoucavam balões. “Mais cerveja?” Sandra se pôs a cantar como os anões. Palmas, assobios. Um dos anões chorava, aos berros. Outros se iam, atrás dos pais. Os anfitriões agradeciam os presentes e as presenças dos convidados. Os garçons cambaleavam. O cinegrafista ria. Pedaços de bolo e salgadinhos espalhados no chão. Cerveja e refrigerante derramados. Gritavam, vociferavam, gargalhavam, dançavam, corriam, caíam, choravam, reclamavam.
Súbito as luzes se apagaram. “É o fim do mundo.” “Passam anos e vêm anos e é essa mesma coisa.” “É o caos, meu amigo.” “Mãe, cadê você?” O vulto de uma bruxa passeava pelo salão. Uma voz sibilava: “A morte vem vindo.” Havia medo nos olhos das crianças e angústia em cada adulto. Meia-noite.