Translate

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

O bom selvagem (Nilto Maciel)


















(Retrato de índio tapuia, de Albert Eckhout)


PRESENTE
As noites aqui no Boqueirão já foram mais alegres. Agora nem saio mais de casa. Se há luar, olho para o céu, feito poeta de antigamente. Porém não dura um minuto sequer meu namoro com as estrelas. E volto ao caderno, onde escrevo em minha língua a História do Brasil. É uma tradução apenas.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Notas poéticas: Métrica e visão de mundo de Augusto dos Anjos (Henrique Marques Samyn)


(Augusto dos Anjos)

Indubitavelmente um dos mais extraordinários nomes da poesia brasileira, Augusto dos Anjos, embora fosse poeta dos mais inspirados, parecia sempre compelido a asfixiar o lirismo em versos de uma rigidez assombrosa. Compreenda-se, no entanto, que esta expressão – “asfixiar o lirismo” – não se refere aqui a qualquer tipo de sobrevalorização da forma, mas sim a uma opção estética perfeitamente coerente com sua matéria lírica, como espero esclarecer nas próximas linhas.

A singular natureza do lirismo de Augusto dos Anjos deriva de sua não menos singular atitude perante a realidade, exemplarmente definida por Álvaro Lins como uma contradição entre as frágeis certezas de um materialismo de bases cientificistas e uma insaciável inquietação existencial com aquelas incompatível; deste modo, o poeta buscava o absoluto movendo-se em meio ao “círculo do nada físico”, para utilizar a precisa expressão do referido crítico. De onde as aporias nas quais Augusto dos Anjos incessantemente mergulhava, que podem ser exemplificadas pelo segundo quarteto de seu soneto dedicado ao filho natimorto, no qual os conceitos emprestados da ciência revelam-se inúteis para a compreensão da morte brutal: “Que poder embriológico fatal / Destruiu, com a sinergia de um gigante, / Em tua morfogênese de infante / A minha morfogênese ancestral?!

É desta contradição seminal que deriva a estética do vate paraibano. Dante Milano analisou-a com agudeza: Augusto dos Anjos utilizava reiteradamente decassílabos acentuados na sexta sílaba (heróicos), nos quais eliminava implacavelmente os hiatos (na feliz expressão de Milano, “nunca largava a tesoura para cortar a cabecinha das inocentes vogais que às vezes queriam brincar-lhe no decassílabo”) e entremeava proparoxítonos. O resultado eram versos de uma rigidez assombrosa que, por vezes, parecia prestes a se flexibilizar pela presença de algum proparoxítono; falsa impressão, logo desfeita por conta da repetição métrica – os fragorosos decassílabos que, sempre acentuados da mesma forma, criavam um andamento de uma solidez impressionante. As sinalefas de Augusto dos Anjos chegavam a criar alguns versos virtualmente indeclamáveis, como o que abre os “Mistérios de um fósforo”: “Pego de um fósforo. Olho-o. Olho-o ainda. Risco-o” – que deve, evidentemente, ser lido como decassílabo!

A dureza dos versos do vate paraibano deve ser compreendida como a expressão mais adequada para sua visão de mundo: percebendo a matéria como uma espécie de cárcere em cujas celas a vida, convulsamente, espraia seus tentáculos e evolui em um implacável ciclo de destruições e renascimentos, também em seus versos constringia o lirismo com singular mestria; o resultado, por outro lado, não era um enfraquecimento deste, mas sua intensificação. Se nos versos de Augusto dos Anjos não havia frinchas que permitissem a passagem do ar, todavia o lirismo neles enclausurado permanecia vivo – e sem demonstrar quaisquer sinais de debilidade.

/////