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sábado, 10 de maio de 2008

Fortaleza antiga, uma cidade em prosa e verso (Batista de Lima)


(Fortaleza antiga)

Pacheco Espinoza é autor do mais antigo texto literário de exaltação a Fortaleza. Data de 1813 o seu soneto decassilábico e neoclássico, “Para o chafariz da cidade de Fortaleza”, em que é exaltada a figura do Governador Sampaio por criar aquele benefício para a vila. Ao mesmo tempo a cidade é enaltecida pelo seu desenvolvimento que já se estampa em algumas ruas. “Este manancial de água, o primeiro,/ Que fez surgir na Vila arte prestante,/ Para a sede saciar o caminhante,/O sábio, o nobre, o rico, o jornaleiro.”

Em 1856 Juvenal Galeno inaugurou o romantismo no Ceará com a publicação de seu livro de poemas Prelúdios poéticos. Juvenal Galeno era um apaixonado por Fortaleza e pelo Ceará. Centrou sua literatura na sua terra natal. Cantou as coisas da terra, o cajueiro e a jangada, principalmente. “Minha jangada de vela,/ Que vento queres levar?/ Tu queres vento da terra,/ Ou queres vento do mar?”

Na prosa é importante destacar escritores que encararam Fortaleza de forma diversa: Adolfo Caminha, Oliveira Paiva, Gustavo Barroso e Jáder de Carvalho. Adolfo Caminha, no seu romance A normalista, faz uma literatura de catarse, uma obra de maldizer da cidade. É um livro de crítica ao preconceito social existente na cidade de Alencar. Oliveira Paiva na sua novela A afilhada, não se envolve na narrativa. Destaca-se nessa obra, sua descrição da cidade de Fortaleza na última década do século XIX. As ruas da cidade são bem apresentadas, mostrando a importância do plano de urbanização de autoria do Dr. Silva Paulet. Gustavo Barroso em Coração de Menino, Liceu do Ceará e Consulado da China revisita Fortaleza com um certo tom nostálgico. São três livros de memórias suas e da cidade.

É também de Gustavo Barroso um dos mais belos cantos de louvor a Fortaleza, no caso, o "Hino de Fortaleza", com letra sua e música de Antônio Gondim. É uma letra que fala em "virente coqueiro", em "Iracema lembrando o guerreiro", no "mar nas areias ardentes", fala ainda de jangadeiros e chama Fortaleza de "a flor do Brasil". É por demais repetido seu estribilho: “Fortaleza! Fortaleza!/ Irmã do sol e do mar:/ Fortaleza! Fortaleza!/ Sempre havemos de te amar”.

Jáder de Carvalho, no seu livro Aldeota, apresenta de forma romanceada, a trajetória de um personagem de nome Chicó, que originado do sertão do Ceará, na região de Cariús, transfere-se para a Amazônia onde se torna arigó e depois volta para o nosso Estado, fixando residência em Fortaleza, onde enrica através de métodos fraudulentos. Chicó é uma figura picaresca que passa pelas mais variadas funções, até se tornar habitante da Aldeota, bairro nobre de Fortaleza, composto de bangalôs de importantes famílias, entre as quais algumas que enriqueceram com a sonegação de impostos, com o contrabando, com todo tipo de espertezas que se possa fazer para auferir riquezas.

Entretanto, não foi só o cearense que cantou Fortaleza. Há aqueles que se encantaram com essa terra e cantaram-na de alguma forma. É o caso do poeta pernambucano Manuel Bandeira que por aqui passando quando se dirigia à Serra do Estêvão, em Quixadá, em busca de saúde, cantou os verdes mares fortalezenses: “Clama uma voz amiga: – "Aí tem o Ceará"./ E eu, que nas ondas punha a vista deslumbrada,/ Olho a cidade. Ao sol chispa a areia doirada.”

Um dos elementos lembrados por Manuel Bandeira em seu poema é o sol, o mesmo sol que Paula Ney fez desposar a cidade, no seu célebre poema "Fortaleza", cujo primeiro quarteto assim se apresenta: “Ao longe, em brancas praias, embalada/ Pelas ondas azuis dos verdes mares,/ A Fortaleza – a loura desposada/ Do sol – dormita, à sombra dos palmares.”

Não é um poema primoroso, inclusive com algumas achegas apontadas por Sânzio de Azevedo em seu livro A Literatura Cearense, mas imortalizou a expressão "Fortaleza- a loura desposada do sol", a ponto de outros escritores também referirem-se a essa loirice, como é o caso de Francisco Carvalho quando canta: “Ó loira e bela Fortaleza amada,/ Vem escutar meu sonoroso canto/ Que agora mesmo, para o céu levanto,/ A fim de honrar-te a gleba benfalada/”.

Assim como Francisco Carvalho, outro poeta que saudou poeticamente Fortaleza foi Otacílio Colares através do poema "Descante à cidade amada", onde apresenta tipos populares como: Chagas dos Carneiros, Jararaca, Zé Levi, Cheira-Dedos, Mimosa, Zé Lapada, Cabeção e a Siri. Nesse descante de Otacílio Colares poder-se-ia acrescentar o bode iôiô, Canoa Doida, Manezinho do Bispo, Burra Preta, Roberto Carlos, Vassoura, Zé Tatá etc. Esse é um dos 173 poemas que fazem parte do Cancioneiro da Cidade de Fortaleza, organizado por Artur Eduardo Benevides.

O próprio Artur Eduardo Benevides aparece como autor de um dos melhores poemas da coletânea, no caso, "Canto de amor a Fortaleza", onde ele diz: “(...) ó grande flor atlântica/ plantada mais em nós do que no chão.” Caracteriza-se esse cancioneiro por encerrar em suas páginas quase todos os poemas sobre nossa cidade. Isso levou à veiculação de muitos textos que se querem poemas mas que muitas vezes são apenas aglomerados verbais de encômios à cidade amada. Daí que dentre os poucos e belos textos sobre nossa metrópole, pode-se dizer que o melhor momento é exatamente a presença do único texto em prosa do volume, no caso, “Terna louvação”, de autoria do organizador. No texto, Artur Eduardo Benevides trata a cidade de “musa” e apela para seu “claro rosto e graça delicada”, chamando-a de “menina e mulher, ave e canção”, “cidade de ruas tão alinhadas como os versos de um soneto”, refere-se por fim ao “rosto hermoso” que Pinzon avistou quando aqui chegou. Esse cancioneiro constitui uma homenagem da Prefeitura Municipal ao sesquicentenário de Fortaleza, na administração do Prefeito Vicente Fialho em 1973. No seu canto de apresentação, Artur Eduardo Benevides não esqueceu de citar os folguedos que marcaram época na cidade: serenatas, cirandas, pastorinhas, retretas, fandangos, modinhas, minuetos, quadrilhas, varsovianas, a prenda, o anel, o santo, o solo inglês, a cabra cega, congos, lapinhas, pastorinhas e o boi surubim.

Cita ainda as valsas, as canções, as polcas, os dobrados, os hinos patrióticos. O Cancioneiro da cidade de Fortaleza é uma comprovação de que o fortalezense transmite seu amor à cidade quase sempre em forma de canção, não importa como. É o caso de Otacílio de Azevedo com seu livro Fortaleza descalça; Herman Lima, com Poesia do Tempo; Monsenhor Quinderé, com Reminiscências; Mozart Soriano Aderaldo, com História abreviada de Fortaleza; Raimundo Girão, com Fortaleza e a crônica histórica; Juarez Leitão, com Sábado: estação de viver; Sebastião Rogério Ponte, com Fortaleza belle-époque e Blanchard Girão, com O Liceu e o bonde, Narcélio Limaverde, Eduardo Campos com as peças teatrais Morro do Ouro e Rosa do Lagamar, Ciro Colares, Faria Guilherme e outros.

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quarta-feira, 7 de maio de 2008

Virginia Woolf: uma leitora incomum (Clauder Arcanjo)


(Virginia Woolf)

A escritora inglesa Virginia Woolf é uma das minhas obsessões. Há poucos dias, na minha eterna mania de catar obras nas livrarias durante as viagens, deparei-me com um exemplar de O Leitor Comum. De início, aagradável surpresa. Há tempos procurava uma edição, em língua portuguesa, desse clássico de Virginia. Comprei e corri para o hotel, janteifrugalmente, tomei um banho rápido, e fui para a cama na companhia da autora de Orlando.

Coletânea de ensaios sem o ranço do academicismo, com a profundidade e atransparência dos grandes mestres, mas sem presunção, nem o menor enfado. Logo no texto de abertura, que dá título ao livro, uma demonstração inequívoca do talento de Woolf. E fico com a ligeira sensação de que,“talvez, valerá a pena prosseguir escrevendo algumas idéias e opiniões que, insignificantes em si mesmas, irão contribuir muitíssimo para umresultado”. Muitos ensaístas me aborrecem porque sufocam minha imaginação em lugar decolocá-la para funcionar. Não é o caso de Virginia, parafraseando-a: em cada passagem que leio, a presença discreta de quem sabe “revelar-nos osuficiente para que adivinhemos o restante”. Ou seja, “sugerir peladescrição, não revelar pela iluminação”. No ensaio “Montaigne”, um dos retratos mais sublimes do mestre francês, descreve-o como se fosse um relato sobre si mesma, “seguindo as próprias fantasias, dando o mapacompleto, o peso, a cor, e o diâmetro da alma em sua desordem, sua polimorfia, sua imperfeição”. Essa arte pertenceu a duas pessoas apenas, concluo: a Montaigne e a Virginia.

Em meio a todo esse rico universo crítico, alguns valiosos conselhos: “Ao escrever, escolha as palavras cotidianas; escape dos exageros e da eloqüência”. Para logo arrematar: “Porém, é bem verdade, a poesia é umadelícia; a melhor prosa é aquela que mais estiver entranhada de poesia”. Logo adiante, Virginia adverte-nos: “Leis são meras convenções, incapazesde salvaguardar vestígios da imensa variedade e do tumulto dos impulsoshumanos; os hábitos e os costumes são conveniências tramadas como amparopara naturezas tímidas que não ousam permitir a suas almas movimentos livres”. O Leitor Comum foi publicado em Londres pela Hogarth Press, a editora que Virginia Woolf mantinha com o marido, Leonard. Saiu na forma de doispequenos volumes — o primeiro, em 1925; o segundo, em 1932. Há exatos setenta e cinco anos. Mas nada nele prescreveu, são sínteses críticas detal forma apaixonantes que nos dão uma irresistível vontade de ler, ou reler, os clássicos citados, como para conferir, ou colher, tamanha belezaapreendida. Conrad, Jane Austen, Defoe, Dostoiévski, Joyce, Montaigne, Tolstói, Tchekhov, Sterne, dentre outros, se fazem presentes. Apresentadospor uma leitora incomum, “capaz de condensar em poucas palavras o fascínio destes mundos imaginários e verossímeis”. Virginia nos põe sobre os ombrosde cada escritor e nos faz “fitar através de seus olhos até, também, compreendermos em que ordem ele dispõe os variados objetos comuns que os romancistas estão fadados a observar: o homem e a humanidade; por trás deles a Natureza; e sobre todos aquele poder que por conveniência e brevidade devemos chamar de Deus”.

(Texto publicado no jornal Gazeta do Oeste (Mossoró-RN), caderno Expressão, espaço Questão de Prosa, edição de 26 de agosto de 2007)
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