É de estranheza a primeira impressão que nos causam os contos de A Leste da Morte, do cearense Nilto Maciel (Porto Alegre: Editora Bestiário, 2006). Pois, além da grande versatilidade de temas e tramas e o virtuosismo do autor, com um excelente domínio de linguagem, todas as histórias apresentam um quê de insólito muito bem encaixado no desenvolvimento geral. São contos de feição quase sempre surrealista, expondo muitas vezes o que há de fantástico e absurdo nas situações vividas pelos personagens, bem como a reação destas. Vejamos uns poucos exemplos: o caráter surreal das histórias se observa em textos como “Os dez dias de Raimundo”, onde um menino, nascido de proveta, mostra um desenvolvimento intelectual bastante precoce e, em dez dias, vive uma existência inteira, indo da juventude à velhice e à morte. Alguns contos são pura fantasia de crianças, como “Trem-fantasma”; outros exibem a realidade fundida ao sonho (“Paisagem celeste”) ou a um pesadelo (“Menino insone”). Em “Sombra não identificada”, o mundo real e o virtual se interpenetram. Por sua vez, “A música” representa um caso de existência virtual que se torna real por algum tempo, antes de regressar ao mundo virtual; em “O menino e o lobo” há uma fusão de caracteres, como se o menino fosse o lobo, e este o menino; em “O livro infinito” tem-se um jogo de desencontros de personagens; em “A leste da morte”, o indivíduo capturado simboliza o sujeito “estranho” como seria tratado pelos que o desconheçam e temem, algo semelhante acontecendo com o comportamento irracional da autoridade em “O último troiano”. Em “O invisível Isaías”, o personagem que ninguém vê ou conhece é certamente criado pela imaginação das pessoas (como o de um conto de Anatole France, ‘Putois’). Parecido com este é “A fila”, de um nonsense que lembra Kafka; já “Mea culpa” é uma espécie de parábola sobre a agressividade íntima que todos carregam consigo. O volume se encerra com “Águas de Badu”, no qual Maciel cria o possível futuro de um personagem sobrevivente da grande tragédia (a enchente) do conto “O burrinho pedrês” de Guimarães Rosa (em Sagarana). Assim estas histórias, tão diversas, devem agradar justo pela variedade e versatilidade – ponto positivo para o autor.
(Tribuna de Petrópolis, 15/8/2008, caderno ‘Lazer’, p. 5)
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