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sábado, 13 de dezembro de 2008

Carnavalha (Dias da Silva)



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Carnavalha é recente romance. Romance bem original, diferente. Cheio de histórias de inúmeros personagens e sem história. É um romance em que o leitor depara personagens sem conta (sem protagonista), lineares, iguais no absurdo incompreensível da vida. São coisas tão ilógicas como a vida. Como num sonho. Os enredos – o romance não tem um enredo – estão no papel como saídos do inconsciente: sem um roteiro como é a própria vida, as pessoas e as coisas.
Francisco carvalho escreve na orelha do livro: “Seu discurso mistura ingredientes simbólicos como a realidade linear do cotidiano. O erudito e o popular se completam num paralelismo sintático onde até mesmo as reticências do narrador desempenham o papel de figuras de retórica”.
Ao longo do romance, prende a atenção da gente o predomínio, quase absoluto, da frase cortada, curta, fragmentada. Aliás, esse é o modo singular de escrever de Nilto Maciel. Sem frase de efeito e feita, o Autor, pelo súbito da expressão, deixa impacto dentro do leitor. Nilto Maciel é um artista na flexibilidade e manipulação da palavra.
(Publicado no jornal Binóculo nº 85, Fortaleza, agosto de 2008)
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quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

A Imortalidade pela Poesia (Henrique Marques-Samyn)


(Poeta Francisco Carvalho)

A morte é uma forte presença no mais recente livro de Francisco Carvalho, algo já evidenciado por seu título – “Mortos não jogam xadrez” (Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2008), aliás inspirado numa citação de Ibsen que serve como motivo para o poema homônimo, um dos mais belos do livro, onde lemos:

O amor é moeda falsa
não vale o pulo de um gato
mortos não jogam xadrez
no meio do quinto ato.

Esse cenário de desesperança, ao que tudo indica, tem raízes biográficas – afirmação em que parece haver algo redundante: sendo todos mortais, como seria possível para nós, demasiado humanos, não falar sobre a morte a partir de uma perspectiva biográfica? Não obstante, estamos aqui falando de um dos mais importantes poetas brasileiros, que ademais se debruça sobre um tema que, neste momento, lhe surge como urgente a partir de uma perspectiva existencial. Explicita-o o “Poema de aniversário”, obra em que o impecável domínio formal de Francisco Carvalho confere à dicção direta e franca uma rara riqueza estética, o que por outro lado torna a obra ainda mais contundente:

Estou numa faixa
etária em que as pessoas
costumam morrer.

Não se trata duma questão
de pessimismo. Velho otimista
não passa de uma fraude.
[...]

Um minúsculo trombo
nas artérias, e tudo desmorona.
Velho não tem pulso

nem o direito de ignorar
quando o bonde
chega ao fim da linha.

O que pode ser notado já por esses versos, e melhor constatado por uma leitura de todo o volume – onde encontramos verdadeiras obras-primas como “Explicação do corpo”, “Notícias de Canudos” e “Soneto para uma Rainha”, entre outras – é que o estro de Francisco Carvalho, longe de esmorecer, faz-se mais forte perante a angústia trazida pelo peso do tempo. E assim, de fato, deve ser: se todos estamos condenados à morte, e se diante dela chance nenhuma temos no xadrez da existência, um dos caminhos para a imortalidade é precisamente a arte – e não resta qualquer dúvida de que a poesia alçará para a História o nome deste vate cearense que, ao longo de oito décadas, vem erigindo uma catedral de versos destinada à eternidade.
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