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domingo, 4 de outubro de 2009

Francisco Carvalho: Utopia e eutopia (Nilto Maciel)



Tenho lido Francisco Carvalho desde minha adolescência. Primeiro nos suplementos literários – que havia disso no Ceará. Publicavam-se neles, semanalmente, poemas, crônicas, contos, estudos dos bons escritores cearenses de então, quase todos do Grupo Clã.

Mais adiante, já taludo, já escrevendo também, já sonhando com ser poeta do tamanho de Francisco Carvalho ou contista da estatura de Moreira Campos (coitado deste sonhador), conheci o futuro autor de Exercícios de Utopia (Fortaleza, Expressão Gráfica, 2009). Foi num dia de 1977, reitoria da UFC, onde trabalhava o poeta, época da revista O Saco, vésperas de eu arribar do Ceará em busca de melhores dias no Sul. O autógrafo constata: 1º de fevereiro. A obra: Pastoral dos Dias Maduros.

Todo o livro é pura poesia, desde os primeiros versos:

“A qualquer hora o espectro do sono flutuará

na penumbra da sala.

As mãos do morto afagarão a estranha latitude

do seu corpo.” (“A visitação)”

Até os derradeiros:

“Chuva, trigo do céu, hulha

na terra espúria do sonho.

Música da nuvem e leite do seu ubre.

Chuva que te quero rubra.” (“Chuva”)

Apresentou-mo o jovem e delirante Carlos Emílio, que frequentava, com desenvoltura, os velhos cultores do delírio em nossa terra, como se fossem seus pares. Além disso, lia Virginia Woolf em inglês, Proust em francês, Thomas Mann em alemão, Cervantes em espanhol. Um prodígio! Eu me contentava – e como ser diferente, se mal sabia ler Alencar em português? – com meus livrinhos ensebados e cheios de traça, comprados à beira das calçadas, no chão, nas ruas do centro de Fortaleza.

Depois, já fugido da seca, exilado no Planalto Central, então a ler traduções de Woolf, Proust, Cervantes, Mann, continuei a me entusiasmar com Francisco Carvalho e todos aqueles que durante muito tempo me ensinaram a ler nos suplementos literários.

Visitei o poeta de Russas, do Brasil e do mundo mais de uma ou duas vezes, se me não engano. Mas o li – e leio – sempre. Não digo todo dia, que mentir muito é feio. Agora – as retinas fatigadas pelo sol, pela sujeira dos dias, pela visita dos micro-organismos –, agora me chegou às mãos este pequeno conjunto de poemas intitulado Exercícios de Utopia. Li-os, entre um gole e outro de cicuta – mato-me aos poucos, por prescrição médica: um comprimido aqui, uma cápsula ali, uma colher de ácido ao meio-dia, outra às vésperas de delirar na cama.

Tudo é salutar nos livros de Francisco Carvalho. Neste, até a capa de Carlos Alberto Alexandre Dantas é de encher os olhos de bom espanto. A apresentação de Gilberto Mendonça Teles é de mestre. E poeta. Os versos, livres ou metrificados, têm ritmo de sonata. As rimas são sonoras, embora haja as comuns. Mas isso não é o mais relevante em poesia. FC é poeta da chuva e da estiagem, da pedra no meio do caminho e das galáxias em rodopio, dos pobres andrajosos e dos tetrarcas de reinos destruídos, dos pássaros, que são anjos em busca do canto, e dos anjos – pássaros emudecidos.

Tudo é pura poesia em Exercícios de Utopia, desde os primeiros versos:

“Acredito nos anjos

que não precisam de asas

para voar.

Moram em casebres de taipa

e recolhem mendigos

para a ceia.” (“Exercícios de utopia”)

Até os derradeiros:

“raios do vento

raios do fogo

raios da chuva

raios de ira de Deus

raios do paráclito

raios que o partam.” (poema 175).

O breve estudo de Gilberto Mendonça Teles se encerra assim: “O certo é que se trata de um excelente Exercícios de utopia, melhor dizendo, de Eutopia, de belo e de bom, deixando para o leitor a sensação de que o natural e o transcendente se juntam no sentido plural de toda grande poesia.”

Fortaleza, 17 de agosto de 2009.
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quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Capitu narradora contemporânea: representações de Capitu por ela mesma (Fabiana de Pinho)




Resumo: O narrador de Dom Casmurro, em leituras possíveis, deseja provar a culpa de sua esposa. Assim, desenha uma menina/mulher Capitu como adúltera em potencial, dissimulada e diabólica. De acordo com Mary Del Priore, ‘Capitu foi descrita com todos os ingredientes de um diabo de saias’’. Essa descrição não foge às representações históricas nas quais as mulheres não só provocavam o mal, mas também seriam capazes de levar um homem à perdição. As representações femininas, construídas sob forte influência do patriarcalismo, estavam fortemente associadas à malignidade que precisaria ser domesticada, sobretudo pelo marido. A Capitu ambígua, vilã, vítima, uma discreta feminista antecessora do feminismo, com olhos de cigana oblíqua e dissimulada, inspirou autores do século seguinte a criar contos, romances, filmes e outras manifestações artísticas. Muitas delas foram criadas depois do advento do feminismo e da abordagem teórica de que feminilidades e masculinidades são construções históricas, portanto, variáveis. Pensando no avanço das discussões sobre a redefinição de papéis masculinos e femininos e tentativas, inclusive teóricas, de desnaturalização das hierarquias de poder, pretende-se com este trabalho investigar em textos - como os contos Dez Libras Esterlinas, de Nilto Maciel, e Capitu: para que saber, de Lya Luft, – que dialogam com Dom Casmurro e cuja narração é conduzida por Capitu, e não mais por Bento Santigo, se ocorreram mudanças na representação da principal personagem feminina de Machado de Assis.

Bibliografia
BOSI, Alfredo. Historia concisa da Literatura Brasileira. São Paulo, Cultrix. 2004.
FERNANDES, Rinaldo. Capitu mandou flores. São Paulo, Geração editorial, 2008.
SCHPREJER, Alberto.(org.).Quem é Capitu? Rio de Janeiro. Nova Fronteira, 2008.
STEIN, Ingrid. Figuras femininas em Machado de Assis. Rio de Janeiro, Paz e Terra,1984.
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