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segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Palpites futebológicos (Manuel Soares Bulcão Neto)



Tenho um amigo cujo filho do meio é esquizofrênico. Sempre que lhe pergunto sobre a saúde do rapaz, ele, que é torcedor fanático do Ferroviário Atlético Clube, responde: "Continua como o Ferrim: quando a gente pensa que está melhorando, piora." Ocorre que não é apenas o Ferrim que se comporta desse jeito.

Na verdade, não é esse time outra coisa que a expressão caricata de todo o futebol da parte de cima do Nordeste (o potiguar, o cearense, o piauiense…), que está mais para o da Nicarágua e Ilhas Fiji do que para o do sul do País. Sim, até na pelada o Brasil é terra de contrastes - e mais uma vez fiquei no lado sofrível.

Por isso, sendo brasileiro "apesar" de cabeça chata, esforço-me para torcer apenas pela Seleção Canarinho. O problema é que não consigo. Por mais que tente, termino retornando aos estádios e ao Alvinegro, nem que seja para, amargurado, torcer contra. (O futebol tem mesmo um elã encantatório, um quê religioso.)

Na ocasião da presente Copa (2010), andei especulando sobre as razões da imensa popularidade do futebol ("soccer"), e tenho tido alguns "insights". No caso do Brasil, vislumbro como uma das razões a tradição da capoeira – uma luta com as pernas – que, aliada ao gosto infantil pelos dribles no pega-pega (fez que ia, não foi e acabou "fundo") e com a tendência à simpatia pelos mais fracos, ensejou as primeiras torcidas. De fato, devia ser hilariante ver negros longilíneos escapando das correntes e do pelourinho na base da esquiva desconcertante e da rasteira, deixando tontos os seus feitores ("diminutos portugueses com expressões assassinas", conforme definição de Darwin no "The Voyage of the Beagle").

Além da simplicidade das regras – exceto para a minha mãe, que até hoje não entende esse tal de impedimento – e do material necessário para a prática do esporte, outra razão global do sucesso do futebol está no fato de as partidas serem decididas, no mais das vezes, com escores mínimos, de modo que a alegria, em vez de se diluir em cinquenta cestas, como acontece no basquete, ela se concentra em um ou dois gols em média. É mais ou menos o que ocorre numa relação sexual entre apaixonados: muitas carícias preliminares e, de repente, o orgasmo - uma explosão de dopamina, o prazer em clímax. Daí a relação de paixão irracional entre as torcidas organizadas dos "fieis" e seus times.

Daí, também, que torcer pela seleção nacional é como fazer amor com a pátria em que nós, os torcedores, somos os passivos da relação e, portanto, sujeitos às ejaculações precoces do parceiro, às suas impotências circunstanciais, aos seus momentos de virilidade exuberante…

Demais, o fato de os placares encerrarem-se com poucos gols, isso aumenta significativamente o papel da sorte ou do azar – i.e., do acaso – no resultado final. Por isso que, principalmente para quem torce por clube ruim, isto é, pela zebra, futebol é jogo de azar. Ora, todo mundo sabe que jogo de azar vicia mais que o álcool e talvez tanto quanto a heroína. E, segundo Freud, em jogatina a maioria dos jogadores aposta não para ganhar, mas para perder: inconscientemente, o jogador (no caso, o torcedor) quer expiar um sentimento de culpa abscôndido. A propósito, tenho quase certeza de que aquele meu amigo doente pelo Ferroviário é um desse tipo: um adicto da "zebrinina", um futebólatra.
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sábado, 7 de agosto de 2010

Retratos a óleo: “Passar é ficar sempre" (Tânia Du Bois)


“Que o tempo passa, vendo “retratos” no lugar que está, sentindo a vida desconhecida nascer em mim, procurei encontrar o que o mesmo foi esquecido...” Lêdo Ivo

Sobre o livro “Imagens Negociadas”, de Sérgio Miceli, traço algumas pinceladas. O livro faz uma análise mais sociológica do que artística. A tese de Miceli é a de que o retrato brasileiro é uma espécie de coluna social feita a óleo; defende que o retrato é sempre uma “imagem negociada” e que funciona como arma de marketing pessoal.

Ao tirar essa máscara, pergunto, será que não encontramos arte verdadeira nesses retratos pintados? Por exemplo, o retrato da Mona Lisa é sinônimo de arte.

Antigamente os pintores tinham a pretensão de fazer arte quando produziam retratos, mas nem sempre o retrato foi feito de forma adulatória. Mário Quintana mostra: “Há uma cor que não vem nos dicionários. É essa indefinível cor que têm todos os retratos, os figurinos da última estação, a voz das velhas damas, os primeiros sapatos, certas tabuletas, certas ruazinhas laterais: - a cor do tempo...”

Mário de Andrade, por exemplo, foi retratado por divas como Anita Mafaltti e Tarsila do Amaral e, no caso, em troca de notas jornalísticas avalizando os dotes artísticos das retratistas; mas cada pintora colocou na tela o Mário que desejou, sem perder sua criatividade, porque, mesmo assim, seus trabalhos são considerados como arte. Tanto a arte de pintar, quanto a arte de escrever de Mário de Andrade .

Até o grande Portinari pintou Getúlio Vargas, nos anos 30, e seu modelo foi uma fotografia, o que também pode ser chamado de arte. E qualquer traço vindo do mestre Portinari é e sempre será arte.

Também nos anos 30, Flávio de Carvalho fez bons retratos e conseguiu impor sua marca expressionista; reconhecida e valorizada até hoje. Sem contar que muito do que se produziu na pintura, até o final do século passado, foi composto por retratos.

Atualmente o retrato é desprezado e é tão caro que talvez não sejam feitos mais, porém, será sempre considerada obra de arte.

O retrato teve o seu papel no passado, de funcionar como coluna social, de ser feito apenas pela elite e de retratar, como vejo hoje, as pessoas com quem os pintores se relacionavam.

Enfim, mesmo o retrato sendo negociado, não perde o seu valor artístico. Expressar, pintar, pincelar, captar as linhas, demonstra criatividade: quem sabe olhar o real geometricamente retrata para sempre. Pedro Du Bois conduz em palavras poéticas:

“Imagens / figuras traduzidas / iconográficos / retratos inacabados /

ao abrirem as luzes // a modelo / nua / se adianta à roupa / não contida

na pintura // o retrato guarda / a instantânea forma / de se dizer eterno /

de se dizer duradouro / de se permitir esmaecer / na sobriedade da pose”.
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