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terça-feira, 7 de setembro de 2010

Inteligência rara (Manuel Soares Bulcão Neto*)

Em 1980 um grupo de cientistas fundou o Projeto SETI (Seath for extraterrestrial intelligente). Seu objetivo era, mediante radiotelescópios, detectar sinais eletromagnéticos emitidos por civilizações de outras regiões do Cosmo. Partia-se do princípio de que, onde houvesse vida, a alta inteligência necessariamente surgiria, visto que esta confere à espécie que a possui maior adaptabilidade ao meio – “Mais inteligente é melhor”, sentenciou Carl Sagan, líder deste Projeto.

O biólogo Ernst Mayr, valendo-se da própria história da vida na Terra, demonstrou, entretanto, que essa premissa setiana é falsa. Afirmou que, decerto, a seleção natural opera ao mesmo tempo em vários ramos taxonômicos – filos, classes, ordens… – favorecendo o surgimento e desenvolvimento de certos órgãos, como as estruturas fotorreceptoras (os olhos), “adquiridas de modo independente pelo menos 40 vezes no reino animal”. Não vislumbrava o Cientista, porém, nenhuma pressão seletiva conduzindo à alta inteligência, uma vez que, entre as milhões de linhagens existentes no Planeta, tal qualidade só surgiu em uma delas: a hominídea. Depois de apontar alguns acidentes sem os quais não teria vingado nossa estirpe, Mayr concluiu: “Como é extremamente improvável a aquisição da alta inteligência”, “como era infinitesimal a chance de isso ocorrer!”.

Agora, a pergunta: dado o seu suposto valor adaptativo, o que explica a raridade da alta inteligência? — Como uma das razões, alguns biólogos evolucionistas apontam o seu elevado custo em consumo energético (de fato, nosso cérebro demanda 20% de todas as calorias que o organismo consome). Aliás, em uma pesquisa realizada com moscas-das-frutas, Frederic Mery da Universidade de Friburgo descobriu que, em condições de grande escassez de víveres, as drosófilas com inteligência acima da média vão-se rareando até desaparecerem por completo. Infere-se desta experiência que, se os benefícios da inteligência a partir de certo nível não compensam o preço a ser pago, a seleção natural não irá favorecê-la, muito pelo contrário.

Outro custo da alta inteligência foi recentemente descoberto por James Sikela et al. da Universidade do Colorado. Segundo Sikela, a sequência de cópias do gene DUF1220 que determina o desenvolvimento do cérebro é a mesma que, com arranjo ligeiramente alterado, gera doenças mentais graves, como o autismo e a esquizofrenia. Significa dizer que os indivíduos portadores dessas moléstias são o preço que a espécie humana paga pelo mecanismo gênico que permite a geração da sua inteligência sem igual, capaz de produzir computadores, teorias cosmológicas e… antipsicóticos.

Inteligência é capacidade de processar informações e, de acordo com a teoria da complexidade, tal capacidade é máxima na fronteira entre a ordem e o caos. Isso explica a frágil condição do Gênio, ilustrada pelas loucuras terminais de Gödel e Nietzsche. A propósito, o autor de Zaratustra intuiu bem esse “equilíbrio distante” ao escrever que “é preciso ter um caos dentro de si para dar à luz uma estrela bailarina.”

De resto, embora muito valorizada, a inteligência é subutilizada pela maioria das pessoas, por medo do caos ou devido ao custo energético. Aliás, segundo o antropólogo Leslie Aiello, o homem, para pensar, retira energia dos intestinos, que são pequenos em comparação aos dos outros primatas. Por isso que muita gente, obedecendo ao princípio do menor esforço, em vez de realizar escolhas com o cérebro, prefere tomar decisões diretamente com as tripas. Outros, pelas mesmas razões, entregam seu destino ao acaso das cartas, búzios e do I Ching – ou então mantêm a mente operando no modo religioso, que é de baixa energia.

Como diz mesmo a canção? “Si quieres ser feliz como me dices / No analices / Ah, no analices.”


*Manuel Soares Bulcão Neto nasceu em 1963 na cidade de Fortaleza. Em 1988, bacharelou-se em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Ensaísta e escritor, tem se dedicado a estudos críticos sobre questões filosóficas fundamentais do mundo contemporâneo, sobretudo no que tange às implicações sociopolíticas dos avanços atuais da ciência. É autor de As Esquisitices do Óbvio (2005), Sombras do Iluminismo (2006) e A Eloquência do Ódio (2009).
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segunda-feira, 6 de setembro de 2010

O livro das metades do João (Tânia Du Bois)



O Livro das Metades do João é o livro infantil escrito por João dos Santos, quanto tinha entre 6 e 7 anos de idade. João Albuquerque dos Santos, nordestino de Fortaleza, nascido em 1993.

Segundo seu pai, Fabiano dos Santos, também escritor, “João gosta tanto de desenhar que, às vezes, penso que foi ele próprio que se desenhou quando ainda morava na barriga da sua mãe. Parece que nasceu com um lápis de cor na mão e com ele foi crescendo e desenhando o mundo”.

O livro nasceu quando João, ainda pequeno, mostrou ao seu pai os desenhos das metades, inspirados nas descontraídas tramas da vida, ”do mundo que mora dentro da sua cabeça e do mundo que mora fora do seu corpo”. Fruto da sua imaginação, criou com descontração, e de acordo com o espírito da idade, verdadeiros mimos da alma transformados em desenhos.

O livro é interessante e diferente. Os desenhos, trabalhados com traços precisos do seu mundo infantil, onde mostra as metades criança de João e as metades “fora do corpo”, que brinca com as metades do escritor.

O livro tem ritmo iluminado. O menos é mais, porque traz movimentos com palavras marcantes, como seu espírito. É surpreendentemente criativo e atrativo:

“Sou a metade feliz / sou a metade triste // Sou a metade nu /
sou a metade vestido // sou a metade sem olho / sou a metade com olho //
sou a metade acordado / sou a metade dormindo // sou a metade com osso /
sou a metade sem osso // Sou a metade dia / sou a metade noite //
sou a metade água / sou a metade fogo // Sou a metade viva /
sou a metade morta //Sou a metade pedra / sou a metade areia //
Sou a metade bicho / sou a metade homem // sou a metade flor /
sou a metade gente // sou a metade negro / sou a metade branco...”

E a educadora Luíza de Teodoro declarou: “o grande santo João, contou-nos o novo mundo e o novo homem. Ainda pequeno João nos mostra agora, o que a infância pode ver do que somos. Bendito sejas João dos Santos”.

Para comemorar a passagem do Dia Mundial do Livro Infantil, nada melhor do que apresentar João que, com um lápis de cor, foi desenhando o mundo, onde as leitoras Júlia e Luísa habitam: o mundo da imaginação pelas metades.

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