Translate

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Juvenal Galeno, poeta popular (Nilto Maciel)



O governo do Estado do Ceará vem patrocinando a reedição de obras raras da literatura cearense. À frente dessa iniciativa está o professor Francisco Auto Filho, como Secretário da Cultura. Nos três volumes da obra completa de Juvenal Galeno (1836 – 1931) vem seu texto “Retorno às origens”, no qual se ergue em defesa da “política literária nacional-popular” do poeta e da “necessidade da intervenção do poder público como suporte institucional dessa esfera de nossa cultura”.

Com a mão na massa está o escritor Raymundo Netto, como coordenador editorial da Secretaria da Cultura. Neste 2010 veio a lume a obra completa de Juvenal Galeno, em três volumes: Cenas Populares, Cantigas Populares e Medicina Caseira, organizados por Raymundo Netto, esse abnegado amante do Ceará e das artes. O primeiro, composto de contos, agora em 4ª edição, traz apresentação – “Os contos de Juvenal Galeno” – do sábio Sânzio de Azevedo. O segundo volume – em 2ª edição –, de poemas, reproduz a apresentação à 1ª edição, por José Aurélio S. Câmara, de maio de 1969. O terceiro, também de poemas, em 2ª edição, refaz a apresentação à 1ª edição, por Oswaldo Riedel.

Cenas Populares surgiu primeiramente em 1871. Para Sânzio de Azevedo, “essa obra deve ser considerada não como precursora, mas como iniciadora do conto em nossa Província”. E mais esclarece: “Compõe-se o livro de oito narrativas: “Os pescadores”, “Dia de Feira”, “Folhas Secas”, “Noite de Núpcias”, “O Senhor das Caças”, “Clara”, “Amor-do-Céu” e “O Serão”. Seus protagonistas são pessoas simples, das praias e do sertão. (...) vemos aqui um escritor romântico, no qual são fortes as notas de sentimentalismo, mas ao mesmo tempo um agudo observador da realidade do Ceará na sua época, a ponto de alguns contos poderem (como alguns textos do citado livro de poesia) servir de segura fonte para o estudo dos costumes de então.”

Cantigas Populares é composto de dezesseis poemas encontrados por Cândida Galeno, neta do poeta, “aos quais o próprio autor atribuiu o título comum de Cantigas Populares” – afirma Aurélio Câmara – e publicados pela primeira vez em 1969. Ainda segundo o prefaciador, “as estrofes aqui reunidas constituem, talvez, a últimas que compôs Juvenal Galeno. Devem ter sido compostas, em sua quase totalidade, pois mergulhou nas trevas da total cegueira aos setenta anos, em 1906, e as páginas agora publicadas ou são posteriores àquela data ou a antecederam de curto período, quando a visão do autor, de tão apoucada, não mais lhe permitia o manejo da pena.”

Medicina Caseira, assim como Cantigas Populares, é obra póstuma, ambas publicadas pela primeira vez em 1969, por ocasião do 50º aniversário da Casa de Juvenal Galeno. Esclarece o prefaciador Oswaldo Riedel: “Ditou o bardo à esposa e à filha Henriqueta, sua secretária, os versos da Medicina Caseira. Neles, as datas sotopostas a muitas quadras, mas especialmente as referências à pandemia de gripe e ao kaiser Guilherme II, não deixam dúvida que os compôs quando a Primeira Grande Guerra estava vivendo seus últimos dias.”

Juvenal Galeno nasceu em Fortaleza, em 1836. Jovem, foi conhecer o Rio de Janeiro, depois de estudar (inclusive latim) em Pacatuba (cercanias da capital cearense) e no famoso Liceu do Ceará. Estreou aos vinte anos de idade, com Prelúdios Poéticos, “marco inaugural do romantismo cearense”. Seguiram-se diversos livros: teatro, poesia e prosa. Em 1895 ingressou na Padaria Espiritual, como padeiro-mor honorário. Participou do Clube Literário e ajudou a fundar o Instituto do Ceará. Poeta popular, escreveu pelos que não sabiam escrever. Segundo Sânzio de Azevedo, “o que Juvenal Galeno fez muitas vezes foi dizer com seu estilo, entre popular e erudito, o que o homem do povo não saberia dizer. Por isso, nem sempre podemos ver em seus versos o ‘eu romântico’, porque ele fala por outrem.”

Fortaleza, 7 de setembro de 2010.
/////

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Inteligência rara (Manuel Soares Bulcão Neto*)

Em 1980 um grupo de cientistas fundou o Projeto SETI (Seath for extraterrestrial intelligente). Seu objetivo era, mediante radiotelescópios, detectar sinais eletromagnéticos emitidos por civilizações de outras regiões do Cosmo. Partia-se do princípio de que, onde houvesse vida, a alta inteligência necessariamente surgiria, visto que esta confere à espécie que a possui maior adaptabilidade ao meio – “Mais inteligente é melhor”, sentenciou Carl Sagan, líder deste Projeto.

O biólogo Ernst Mayr, valendo-se da própria história da vida na Terra, demonstrou, entretanto, que essa premissa setiana é falsa. Afirmou que, decerto, a seleção natural opera ao mesmo tempo em vários ramos taxonômicos – filos, classes, ordens… – favorecendo o surgimento e desenvolvimento de certos órgãos, como as estruturas fotorreceptoras (os olhos), “adquiridas de modo independente pelo menos 40 vezes no reino animal”. Não vislumbrava o Cientista, porém, nenhuma pressão seletiva conduzindo à alta inteligência, uma vez que, entre as milhões de linhagens existentes no Planeta, tal qualidade só surgiu em uma delas: a hominídea. Depois de apontar alguns acidentes sem os quais não teria vingado nossa estirpe, Mayr concluiu: “Como é extremamente improvável a aquisição da alta inteligência”, “como era infinitesimal a chance de isso ocorrer!”.

Agora, a pergunta: dado o seu suposto valor adaptativo, o que explica a raridade da alta inteligência? — Como uma das razões, alguns biólogos evolucionistas apontam o seu elevado custo em consumo energético (de fato, nosso cérebro demanda 20% de todas as calorias que o organismo consome). Aliás, em uma pesquisa realizada com moscas-das-frutas, Frederic Mery da Universidade de Friburgo descobriu que, em condições de grande escassez de víveres, as drosófilas com inteligência acima da média vão-se rareando até desaparecerem por completo. Infere-se desta experiência que, se os benefícios da inteligência a partir de certo nível não compensam o preço a ser pago, a seleção natural não irá favorecê-la, muito pelo contrário.

Outro custo da alta inteligência foi recentemente descoberto por James Sikela et al. da Universidade do Colorado. Segundo Sikela, a sequência de cópias do gene DUF1220 que determina o desenvolvimento do cérebro é a mesma que, com arranjo ligeiramente alterado, gera doenças mentais graves, como o autismo e a esquizofrenia. Significa dizer que os indivíduos portadores dessas moléstias são o preço que a espécie humana paga pelo mecanismo gênico que permite a geração da sua inteligência sem igual, capaz de produzir computadores, teorias cosmológicas e… antipsicóticos.

Inteligência é capacidade de processar informações e, de acordo com a teoria da complexidade, tal capacidade é máxima na fronteira entre a ordem e o caos. Isso explica a frágil condição do Gênio, ilustrada pelas loucuras terminais de Gödel e Nietzsche. A propósito, o autor de Zaratustra intuiu bem esse “equilíbrio distante” ao escrever que “é preciso ter um caos dentro de si para dar à luz uma estrela bailarina.”

De resto, embora muito valorizada, a inteligência é subutilizada pela maioria das pessoas, por medo do caos ou devido ao custo energético. Aliás, segundo o antropólogo Leslie Aiello, o homem, para pensar, retira energia dos intestinos, que são pequenos em comparação aos dos outros primatas. Por isso que muita gente, obedecendo ao princípio do menor esforço, em vez de realizar escolhas com o cérebro, prefere tomar decisões diretamente com as tripas. Outros, pelas mesmas razões, entregam seu destino ao acaso das cartas, búzios e do I Ching – ou então mantêm a mente operando no modo religioso, que é de baixa energia.

Como diz mesmo a canção? “Si quieres ser feliz como me dices / No analices / Ah, no analices.”


*Manuel Soares Bulcão Neto nasceu em 1963 na cidade de Fortaleza. Em 1988, bacharelou-se em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Ensaísta e escritor, tem se dedicado a estudos críticos sobre questões filosóficas fundamentais do mundo contemporâneo, sobretudo no que tange às implicações sociopolíticas dos avanços atuais da ciência. É autor de As Esquisitices do Óbvio (2005), Sombras do Iluminismo (2006) e A Eloquência do Ódio (2009).
/////