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domingo, 12 de setembro de 2010

Jogo de palavras de Joaquim Branco (Nilto Maciel)


Os jornais falavam das Torres Gêmeas, atentados terroristas, muçulmanos, vinganças cristãs. Joguei-os todos ao lixo, para me maravilhar com o maravilhoso da vida. Conversávamos em minha casa, ao som de Sibelius, bem baixinho, eu e a belíssima Violeta Feitosa, estudante de Letras, quando o carteiro me chamou da calçada. Todo dia ele grita meu nome, para espanto das vizinhas que olham a rua como espiãs, por trás das cortinas, das venezianas, das brechas das portas. Querem saber por que um velho escritor está sempre a receber visitas de mulheres vindas de muito longe, talvez das estrelas.

Amor filial (Mariel Reis)

era meu irmão. eu não queria matá-lo. não foi minha culpa. minha mãe é doente como o doutor pode ver, não bate bem. o juízo fraco. engravidou de nós dois, meu irmão deve ter tido menos sorte. herdou o miolo mole da velha. a minha vida era cuidar dos dois. tropecei algumas vezes, ninguém é de ferro. com a vida dura dei para puxar fumo, na esquina, com a rapaziada e descuidei. os canas me deixaram na geladeira como viciado um bocado de tempo. minha mãe sem notícias. meu irmão correndo nu pela rua. cagado e mijado. sem ninguém para cuidar. isso dói, não é mesmo, doutor? saí da cana dura, prometi me emendar. arrumei emprego em um boteco que servia pratos feitos, perto de casa. o dono era conhecido da minha mãe, foi fácil, me conhecia desde criancinha. os policiais não me perturbavam. tudo estava correndo calmamente, sem alteração. quando tudo está assim muito parado, é aí que se agita o inferno, rezava a minha coroa, com o juízo desanuviado. meu irmão, somos gêmeos, univitelinos, cara de um focinho de outro, também numa ótima. um dia ele me perguntou: comeram teu rabo lá na cadeia? como é que é? perguntei se comeram teu rabo? que porra de pergunta é essa? pode me dizer a verdade, não conto a ninguém. doutor, juro, eu estudei um pouco, terminei o científico, mas a vontade de dar uma porrada no meu irmão foi grande. pensei o filho da puta tem problema. aí o negócio piorou, meteu na cabeça de me sacanear. como a gente é xerox, foi no boteco dar pinta de veado. no ponto onde eu fumava a minha perna de grilo com a rapazeada, passou a mão em um e outro. tomou porrada. mas, como me disse depois – era você apanhando. tomou gosto pela coisa. vestia as roupas da minha mãe. todo pintado. parado na esquina, cacarejava, chamando homem. pior que piranha de zona. a rapaziada não confiava que era o meu irmão maluquete. o clima foi ficando insuportável. o dono do bar em que eu trabalhava me chamou pra uma conversa. pra eu maneirar. se dava o lombo problema era meu, mas que a freguesia tinha nojo de veado. pior veado maconheiro. um cara pediu para não ser servido por mim. foi o fim da picada. toquei para casa e peguei um pedaço de caibro para meter na cabeça do filho da puta. ele é doente. gritavam os vizinhos. doente. não bate nele, senão chamo a polícia. eu tinha ficha, melhor ficar na minha, sem confusão. conversei com ele e ele repetia como é um cara te comer o rabo? nos filmes é sempre o negão o primeiro a meter a peia? você gostou? agora o filho da puta não parava de me azucrinar. falei que ele estava me queimando com a estória de que tinha virado veado. os policiais não me respeitavam. virou noiva é? perguntavam a ele como se referissem a mim, alargou o anel no xilindró, foi? meu irmão mandava beijos pros filhos da puta. me viam, da viatura, aceleravam e passavam a mão na minha bunda. eu xingava, impotente. muitos trocavam idéia comigo, a gente sabe que é teu irmão. e riam. mulher na cadeia é artigo raro. traçam o primeiro rabo desprevenido. doutor, logo meu irmão, doutor. sempre cuidei dele, da minha mãe maluquete. minha onda era puxar um fumo. agora nessa roubada. cheguei em casa tarde. meu irmão não estava. minha mãe preocupada. teu irmão saiu e não voltou ainda. pra que lado ele foi? perguntei aos moleques da rua. apontaram um capinzal de um terreno baldio no fim da minha rua. desembestei para lá. no muro, um buraco. já tinha fumado uns baseados entocados ali. escutei uns ruídos abafados. vai logo, vai logo. porra é a minha vez. deixe eu terminar de meter. me chama de vera, meu irmão pedia. bate na minha cara. vou comer você como comi teu irmão na cadeia, outro dizia. tinha uns três caras. enrabavam ele. eu voltei nos mesmos passos para casa. minha mãe preocupada. cadê teu irmão? cadê ele? peguei meu berro, ajeitei a camisa por cima. trago ele já pra senhora. vou comer o rabo dele mais um pouquinho. vamo parar com a putaria. vamo, porra. a bala já na cabeça de um. o outro correu, pulou o muro sem calças. e aquele que estava metido no meu irmão, não esboçou reação. chegou pra dividir o homem comigo, é? me disse meu irmão. filho de uma puta. bate, na mulher de cadeia, bate. não me mata, não me mata, pelo amor de deus. dei um tiro na piroca do desgraçado que estava metido nele. caiu gemendo. dá cabo de mim, amor, dá. sou tua messalina. mete também um pouco. justo a coisa não podia piorar, minha mãe pinta na jogada. meu filho. você matou, meu filho. meu irmão gritava. deixa mãe, ele quer comer um pouco do meu rabo. tinha entocado a máquina para não dar zebra, já passaria a mão no veado enrustido para sair fora dali, senti a mão da minha velha me tocar a cintura, pesar bem pesado o ferro e gritar para o meu irmão caído, vestido com as roupas dela, o cu à mostra, não criei filho para veado e disparar na cabeça dele. vamos embora. os canas me prenderam, eu tava em casa. minha mãe tinha preparado uma janta. meu prato predileto. o sargento perguntou quem tinha matado, eu estendi os braços. fui eu, sua autoridade. minha mãe enrolou o restante da janta e me acompanhou até o xadrez.
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