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sábado, 16 de outubro de 2010

Docência (Benilson Toniolo)


Não sei se viste,
Mas o sol desta manhã era maior que o mundo,
E maior também que o nosso coração turbado.

Ainda ontem um pássaro
Pousou sobre os galhos que sombreiam o rio,
E seu canto amarelo apaziguou
A agonia da tarde.
Mas nada vimos:
Nossos olhos e nossos corações
Se ocupavam e se multiplicavam pelas lousas
E cadernos.

Nada temos além das nossas vozes
E as horas debruçadas sobre escritos, mapas e cálculos
– Viagens que nunca fizemos,
Mas que nos sustentam
E habitam os abismos que infestam
Nossa alma carregada de esperanças.

Não sei se enumeraste dias ou noites,
Se armazenaste as dores
De ensinamentos apaixonados,
Se imaginaste canções
Para cada momento de alegria ou desespero,
Ou o motivo pelo qual
Te ausentas de casa para edificar pessoas
E nações.
De muitas coisas não sei.

A vida segue sem nos darmos conta,
E o que nos sobra
– este sol maravilhoso e insano –
Insiste em iluminar-nos o caminho
E a esperança,
Como se merecêssemos, apesar de tudo,
Começar mais um dia.

Eis o edifício, e as salas
E os que nos esperam sedentos, com olhos de fogo,
Pelo que há em nós
Pelo que somos
E pelo que construiremos diariamente
Com nossas vidas abnegadas
E permanentemente apontadas
Para o futuro.

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sexta-feira, 15 de outubro de 2010

O sobrevivente (Enéas Athanázio)


Depois de permanecer inédito por mais de sessenta anos, o manuscrito veio a público e o livro desde logo se tornou um dos grandes textos da literatura sobre a II Guerra Mundial. Ao contrário de muitos outros, que foram escritos a posteriori, após os fatos narrados, como páginas de memórias, este foi composto na época contemporânea dos acontecimentos, ao calor dos fatos, quando tudo ainda estava verde e seu impacto repercutia na sensibilidade do narrador. Estou me referindo ao livro “Eu sou o último judeu”, de autoria de Chil Rajchman, publicado pela Editora Zahar, neste ano de 2010. Ele contém o relato direto e cru, sem adornos literários, dos terríveis dias vividos pelo seu autor no campo de extermínio de Trenlinka, na Polônia, entre 1942 e 1943. É difícil imaginar que alguém tivesse suportado tantos e tais sofrimentos e ainda pudesse sobreviver sem perder a razão. O autor e outros sobreviventes (foram 57 no total) é que eram – estes sim – os verdadeiros super-homens! E o mais interessante é que o relato não é carregado de ódio acumulado, mas a exposição de algo consumado contra o que nada mais poderia ser feito e nem poderia ser alterado. Aconteceu assim e como tal foi relatado pelo autor.