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quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Sobre reflexões (Belvedere Bruno)

http://www.belvederebruno.prosaeverso.net/




Gosto de tomar decisões, mesmo que isso implique uma brusca mudança em minha vida. Sempre fui assim. Isso não significa que só tenha tomado decisões acertadas. Claro que errei, mas fiz questão absoluta de sempre decidir. E os erros me ensinaram, sem dúvida. Hoje, porém, mais do que nunca, estou bastante seletiva em relação a tudo. Não é qualquer coisa que prende minha atenção, não é qualquer assunto que me interessa, não é qualquer pessoa que me convence. E uma regra é básica: se não estou bem com alguém ou em algum lugar, retiro-me. O que posso esperar das pessoas é compreensão e respeito para com minhas atitudes.

Sempre dói saber que, por motivo fútil, se perdem amizades. Faço questão de conservar aquelas que realmente suportam mudanças: maremotos, vendavais, vulcões. A essas, dou-me por inteiro, pois provam que, acima de tudo, conhecem e respeitam o livre-arbítrio.

Atualmente, há em mim um forte desejo de alçar novos voos, percorrer outros caminhos, ousar. Jamais deixarei de ser assim. Sou estável nas amizades e gosto de saber quando há, de fato, reciprocidade, que independe de normas pré-estabelecidas, de opiniões sempre concordantes. Não! Existe a questão "individualidade". Por isso e por outras coisas sempre digo: sou única, como todo ser humano. Não existe uma pessoa idêntica a outra e esta é uma razão forte para que aceitemos as diferenças. Isso torna a vida mais rica.

Infelizmente, muitas pessoas não aceitam a verdade e lidam com a absurda meia-verdade. Não insisto em manter amizades (?) que o tempo provou não passarem de bolhinhas de sabão!

Acabei de tomar meu Amaretto on the rocks, que adoro. Estou lendo "O filho da mãe", de Bernardo Carvalho, pois é vital para mim estar com um livro, lendo um poema, ouvindo uma música, assistindo a um filme, ou escrevendo.

Fico por aqui. A caminho do curso de "Contadores de Histórias", convite maravilhoso que recebi de minha amiga Teresa Mello. Aliás, amiga há trinta anos. Isso prova que uma amizade verdadeira não morre. Ela ultrapassa vulcões em ebulição e ainda chega sorrindo. Brindemos!
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quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Imortal em todos os sentidos (Simone Pessoa)

(Rachel de Queiroz – 17/11/1910 a 4/11/2003 –, estátua na Praça General Tibúrcio, Fortaleza)

Memórias e experiências de vida se entrelaçam. Quando contamos sobre as nossas, estamos relatando momentos de outras pessoas que por vezes nem se dão conta dos efeitos e impressões que deixam em nós ou consideram tão banais que nem os registram em suas memórias.

Meu tio Zé Pessoa contou, por exemplo, sua primeira e definitiva viagem de Sobral para o Rio de Janeiro nos idos de 1940 quando foi cursar medicina. A rigor, mais que uma viagem, foi uma odisseia. Durou 18 dias e envolveu ônibus, trem a vapor, barco gaiola e caminhão.

O comboio ainda se encontrava em Petrolina quando o dinheiro do então jovem estudante estava chegando ao fim. Como estava faminto, precisou gastar alguns tostões para enganar a fome. Se dirigiu a uma pensão e pediu um café com pão sem manteiga, pois era o que ele podia pagar. A garçonete pareceu irritada com o minguado pedido e atendeu ao jovem com rudeza. Trouxe uma caneca de café com um pedaço de pão quase seco. Faminto, meu tio pôs-se a devorar o pão que ele molhava no café para amolecê-lo.

Na mesa do lado, uma senhora elegante, na casa dos trinta e cinco anos, fazia uma lauta refeição e observava a cena do pobre estudante. Percebendo a fome mal suprida do jovem, fez sinal e o chamou para sua mesa. Ele, muito tímido, fingiu que não havia entendido. Ela, então, levantou-se, foi até meu tio e o convidou para a mesa dela alegando desejar companhia em sua refeição. Ele tentou recusar, mas ela estava determinada a resgatá-lo.

Resultado, meu tio se transferiu para a mesa da senhora, comeu pão fresco, queijo, ovos, tomou leite, suco, enfim, se fartou e armazenou energia para economizar na viagem. Durante a refeição, ele se restringiu a responder as perguntas dela e a ouvi-la. Uma mulher simples e espirituosa, porém elegante, de olhar atento. Por fim, ela o convidou para visitá-la em sua casa na ilha do Governador no Rio de Janeiro, onde oferecia um almoço aos sábados para amigos nordestinos. Admirado com a generosidade da distinta mulher, meu tio se despediu profundamente agradecido.

Na saída da pensão, encontrou um conterrâneo amigo da família, a quem contou o ocorrido apontando para a nobre senhora que continuava na mesa, agora, a fazer anotações. Quando o conterrâneo olhou e viu a dita mulher, arregalou os olhos e exclamou: Rapaz, tu não reconheceste? Aquela é a ilustre escritora Raquel de Queiroz!
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