Eram dias pesados aqueles. Rabiscar palavras, cortar frases, substituir adjetivos. Fechasse eu os olhos subitamente, para sempre, algo mudaria? Para onde fui, onde escondi meu eu, em que abismos mergulhei, para cair nesse ostracismo?
O telefone toca. Há uma espécie de mimetismo rondando os meus dias – telemarketing, sirenes, buzinas, tragédias anunciadas. Nada de novo. Sequer um cântico que me desperte. É como se, aos poucos, sem querer, me enquadrasse nesse mundinho abjeto, cujo roteiro não permite mudança, mínima que seja. Adapto-me de forma que já não tenho personalidade. Faço parte de cada objeto, situação, e sigo as regras.
Há, aqui, um espelho lateral que me permite observar as inúmeras mudanças ocorridas em meu corpo, à medida que, inconscientemente, fui me desvencilhando de meu eu. Vampirismo ou coisa similar? Sinto vontade de reagir, quebrando-o, mas dizem que quebrar espelho é igual a sete anos de azar. Além disso, ele não mente. Paciência, porém me intriga pensar que esse ser amorfo seja eu.
Bebo um gole de água. Minha boca está seca, tal qual a minha alma. Entrego-me passivamente, quem sabe, por medida de segurança? Levanto-me e, através da janela, vejo o corre-corre das crianças no parquinho, a movimentação do dia a dia, mas tudo isso faz parte do mais antigo dos cenários.
Nada tenho a anunciar. Desconecto-me. Fecho as cortinas e, imersa na escuridão de meu quarto, penso em como essa vida é sem sentido.
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