Translate

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

A Fortuna Eólica de Francisco Carvalho (Inocêncio de Melo Filho)


(Poeta Francisco Carvalho)

O território poético de Francisco Carvalho tem se ampliado nestes últimos anos. É o que se percebe em Galope de Pégaso (1994), Artefatos de Areia (1995), Raízes da Voz (1996), As Verdes Léguas (1997), Os Exílios do Homem (1997), Girassóis de Barro (1997).

Nos livros acima mencionados destaca-se o eolismo, ou seja, o vento. O eolismo não é apenas uma presença constante na poesia de Francisco Carvalho, é uma existência real, que se mostra intensa e reiterada.

As manifestações eólicas que se realizam na poesia de Francisco Carvalho não se mostram submissas às costumeiras ações do vento, erguer poeira, telhados, provocar barulhos... Mailma de Sousa universaliza a realidade eólica do poeta, situando-a numa condição de alfa e ômega:

“O vento parece origem e condução de tudo: do tempo, das coisas, do homem, de toda a vida, por isso é tão presente e representa mesmo a efemeridade de tudo.”

O eolismo se apresenta na poesia universal. Não é propriedade exclusiva de algum poeta. É por isso que ele pode ser visto em Camões, Fernando Pessoa, Pablo Neruda, Homero, Frederico Garcia Lorca, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Byron, Edgar Alan Poe, dentre outros.

A poesia cearense transborda eolismos por todos os poros. Basta lermos José Alcides Pinto, Artur Eduardo Benevides e Dimas Macedo, para percebermos a constância do vento nas suas variadas formas.

Essa intensidade eólica que se faz na poesia cearense advém da relação que os poetas têm com a natureza, ou de suas reminiscências litorâneas. Isto talvez justifique a presença do vento na nossa literatura.

Em José Alcides Pinto visualiza-se o eolismo nas figuras de linguagem, de comparação, de igualdade e superioridade. Quanto a substantivação eólica pode-se ver em Dimas Macedo e em Artur Eduardo Benevides. A poesia de Francisco Carvalho não se isola desse contexto, no livro Galope de Pégaso o eolismo se mostra substantivado nos poemas “Cabeça de Cavalo”, “Cântico das Reminiscências”, “Cântico da Busca” e “Marginalia”:

De que frescor de árvore
é o vento que agita
tuas crinas de mármore?

O vento cessou. As árvores parecem
esculturas da solidão de Deus.

O vento quebra as portas
das negras sepulturas

onde os eleitos sonham
que ao fim da senda estreita
repousarão na concha
de tua mão direita.

A luz à beira da sombra
o vento à beira do fogo
a vida à beira da morte.

A substantivação eólica flui com naturalidade em toda a poesia de Francisco Carvalho, assim como flui intensamente na poesia universal. Há casos em que o eolismo se desnuda das imagens e das metáforas, expressando apenas sua existência no poema. Na poesia de Francisco Carvalho o eolismo não se expõe vazio, vê-se o peso da imagem e da metáfora que norteiam o destino de outros significados, que se concentram no seu tecido poético.

A natureza se concentra em “Raízes da Voz”, relacionando-se com imagens e metáforas, definindo o eolismo nos poemas II, III e IV, que recebem o título de “Adágios do Vento”:

O vento é uma seara
de trigo regada
pelo vinho dos deuses

O vento é uma foice
de ceifar os dias
e as noites

O vento é uma sesmaria
de relâmpagos
e de acalantos

O vento é um manje
que reza ladainhas
pelas almas dos mortos.

O vento é uma estrada
de folhas mortas
um deus que arrebenta
os gonzos das portas.

O vento é um andarilho
que sacode as cancelas
e passa sem ser visto
pelas janelas.

O vento é um dromedário
sem rumo certo
que vai escrevendo
elegias no deserto.

O vento é um abutre
de longas asas
que expulsa os homens
de suas casas.

O vento é uma loba
de patas amarelas
que engole as moças
e os seios delas.

O vento é uma égua
que só come brotos
bebe a água dos rios
e amamenta os potros.

A definição eólica prossegue em “Girassóis de Barro”, no terceiro verso da primeira estrofe do soneto “Messe dos Aflitos”, reiterando a temática aqui exposta:

O vento é um deus com túnica de seda.

O poema II, que pertence ao conjunto de poemas intitulados “O vento anuncia a morte”, do livro Artefatos de Areia, anuncia imagens personificadoras do eolismo:

O vento devaneia
desenhando a saudade
nas laudas do mármore.

“O vento anuncia a morte” é mutante como os homens, e tem morte certa como eles. Essa morte eólica se revela na segunda estrofe do poema “38”, inserido na primeira parte do livro “Os Exílios do Homem”:

a chuva cai
com tal modorra
até que o vento
até que eu morra

As virtudes poéticas de Francisco Carvalho são diversas e o eolismo é uma delas, que se manifesta de forma intensa na sua literatura, expressando uma variedade de significações. O poeta aproxima o vento das realidades humanas numa dimensão de vida e morte. Isto o destingue dos demais poetas filiados à doutrina do eolismo.
/////

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Bárbara de Alencar, a primeira presidente no Brasil (José Carlos Mendes Brandão)


(A revolucionária Bárbara de Alencar)

Em 2009, visitei o cárcere de Bárbara de Alencar, no centro histórico da cidade de Fortaleza. Em casa, vendo as fotos do lugar, não pude me furtar a lhe dedicar um poema. Há uma força estranha que se emana dali, um grito da história e da dor humana. Muitas vezes, lembrando-me do cárcere, incomum, à flor da terra, mas de pedra, pesado, vi-me murmurando: “O túmulo de Bárbara...” Logo em seguida corrigia-me, mas pensava primeiro em túmulo.

Eis o poema “O cárcere de Bárbara de Alencar”, eis como retratei aquele ambiente de sofrimento e de frieza, porque a história é fria, como as pedras que a conservam:

Eu vi o cárcere de Bárbara de Alencar.

No subsolo, a pequena cela de tortura:

Atrás das grades, pedras, paredes de pedras,

A cela onde um homem não cabe em pé.



Bárbara recebia uma só refeição por dia,

Mas era muito: alimentava-se de pedras

E de orgulho ferido e erguido como bandeira.

As pedras eram cabras mansas para Bárbara



Ordenhar: Bárbara tirava leite das pedras.

“Quem me pedirá contas de meus atos?

Meu marido, meus filhos, o meu Ceará?



Quem combate o bom combate não sucumbe.

Eu colho na derrota toda a minha vitória.”

Ouvi a voz de Bárbara, viva, nas pedras.

Esse poema está no meu livro “O sangue da terra”, publicado pela Secretaria de Cultura do Ceará em 2010. Saiu também em um blog do Cariri, onde amigos que o leram logo me disseram: “Mas você é daqui!” Sabiam que eu era paulista de Bauru, mas o orgulho nacional falava mais alto – o orgulho da nação do Cariri (grande região ao sul do Ceará, onde há um conjunto de onze cidades, sobressaindo o Crato e Juazeiro do Norte).

Quando estourou a Revolução Pernambucana de 1817, Bárbara liderou o movimento no Cariri e proclamou a República do Crato, sendo designada presidente. Assim, Bárbara de Alencar tornou-se, senão a primeira presidente do Brasil, a primeira presidente de uma república brasileira. Os cearenses têm muito do que se orgulhar.

Num tempo em que as mulheres dedicavam-se às famosas prendas domésticas (prendas que as prendiam, restringiam, totalmente), Bárbara não apenas aderiu, mas pôs-se à frente da Revolução Pernambucana em seu estado de adoção, o Ceará. É o pioneirismo de uma mulher tomando as rédeas da história.

A Revolução Pernambucana durou menos de três meses. Bárbara foi presidente por apenas oito dias. Mas foi o bastante para marcar a sua presença na história.

Quando o romancista José de Alencar foi eleito Senador do Império, D. Pedro II vetou o seu nome. Apesar de já ter sido ministro da justiça, o imperador temia que trouxesse em seu DNA os genes revolucionários e republicanos de seu pai José Martiniano, de seu tio Tristão e de sua avó Bárbara de Alencar.

O Centro Cultural Bárbara de Alencar agracia todos os anos três mulheres, com a “Medalha Bárbara de Alencar. O centro administrativo do Governo do Ceará chama-se “Centro Administrativo Bárbara de Alencar”.

Luiz Gonzaga sempre saudava "dona Bárbara de Alencar", nos seus shows no Cariri, onde sabia que a reverenciavam. No dizer do etnólogo potiguar Luís da Câmara Cascudo, a revolução de 1817 foi a mais linda, inesquecível, arrebatadora e inútil das revoluções brasileiras.

Os cearenses têm muito do que se orgulhar. Agora temos uma primeira presidente do Brasil, Dilma Rousseff, revolucionária brasileira e presa política como Bárbara de Alencar. Esperamos que seja motivo de orgulho para os brasileiros, como Bárbara de Alencar é para os cearenses.

http://www.poesiacronica.blogspot.com/
http://passaroimpossivel.blogspot.com/
/////