(Poeta Francisco Carvalho)
O território poético de Francisco Carvalho tem se ampliado nestes últimos anos. É o que se percebe em Galope de Pégaso (1994), Artefatos de Areia (1995), Raízes da Voz (1996), As Verdes Léguas (1997), Os Exílios do Homem (1997), Girassóis de Barro (1997).
Nos livros acima mencionados destaca-se o eolismo, ou seja, o vento. O eolismo não é apenas uma presença constante na poesia de Francisco Carvalho, é uma existência real, que se mostra intensa e reiterada.
As manifestações eólicas que se realizam na poesia de Francisco Carvalho não se mostram submissas às costumeiras ações do vento, erguer poeira, telhados, provocar barulhos... Mailma de Sousa universaliza a realidade eólica do poeta, situando-a numa condição de alfa e ômega:
“O vento parece origem e condução de tudo: do tempo, das coisas, do homem, de toda a vida, por isso é tão presente e representa mesmo a efemeridade de tudo.”
O eolismo se apresenta na poesia universal. Não é propriedade exclusiva de algum poeta. É por isso que ele pode ser visto em Camões, Fernando Pessoa, Pablo Neruda, Homero, Frederico Garcia Lorca, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Byron, Edgar Alan Poe, dentre outros.
A poesia cearense transborda eolismos por todos os poros. Basta lermos José Alcides Pinto, Artur Eduardo Benevides e Dimas Macedo, para percebermos a constância do vento nas suas variadas formas.
Essa intensidade eólica que se faz na poesia cearense advém da relação que os poetas têm com a natureza, ou de suas reminiscências litorâneas. Isto talvez justifique a presença do vento na nossa literatura.
Em José Alcides Pinto visualiza-se o eolismo nas figuras de linguagem, de comparação, de igualdade e superioridade. Quanto a substantivação eólica pode-se ver em Dimas Macedo e em Artur Eduardo Benevides. A poesia de Francisco Carvalho não se isola desse contexto, no livro Galope de Pégaso o eolismo se mostra substantivado nos poemas “Cabeça de Cavalo”, “Cântico das Reminiscências”, “Cântico da Busca” e “Marginalia”:
De que frescor de árvore
é o vento que agita
tuas crinas de mármore?
O vento cessou. As árvores parecem
esculturas da solidão de Deus.
O vento quebra as portas
das negras sepulturas
onde os eleitos sonham
que ao fim da senda estreita
repousarão na concha
de tua mão direita.
A luz à beira da sombra
o vento à beira do fogo
a vida à beira da morte.
A substantivação eólica flui com naturalidade em toda a poesia de Francisco Carvalho, assim como flui intensamente na poesia universal. Há casos em que o eolismo se desnuda das imagens e das metáforas, expressando apenas sua existência no poema. Na poesia de Francisco Carvalho o eolismo não se expõe vazio, vê-se o peso da imagem e da metáfora que norteiam o destino de outros significados, que se concentram no seu tecido poético.
A natureza se concentra em “Raízes da Voz”, relacionando-se com imagens e metáforas, definindo o eolismo nos poemas II, III e IV, que recebem o título de “Adágios do Vento”:
O vento é uma seara
de trigo regada
pelo vinho dos deuses
O vento é uma foice
de ceifar os dias
e as noites
O vento é uma sesmaria
de relâmpagos
e de acalantos
O vento é um manje
que reza ladainhas
pelas almas dos mortos.
O vento é uma estrada
de folhas mortas
um deus que arrebenta
os gonzos das portas.
O vento é um andarilho
que sacode as cancelas
e passa sem ser visto
pelas janelas.
O vento é um dromedário
sem rumo certo
que vai escrevendo
elegias no deserto.
O vento é um abutre
de longas asas
que expulsa os homens
de suas casas.
O vento é uma loba
de patas amarelas
que engole as moças
e os seios delas.
O vento é uma égua
que só come brotos
bebe a água dos rios
e amamenta os potros.
A definição eólica prossegue em “Girassóis de Barro”, no terceiro verso da primeira estrofe do soneto “Messe dos Aflitos”, reiterando a temática aqui exposta:
O vento é um deus com túnica de seda.
O poema II, que pertence ao conjunto de poemas intitulados “O vento anuncia a morte”, do livro Artefatos de Areia, anuncia imagens personificadoras do eolismo:
O vento devaneia
desenhando a saudade
nas laudas do mármore.
“O vento anuncia a morte” é mutante como os homens, e tem morte certa como eles. Essa morte eólica se revela na segunda estrofe do poema “38”, inserido na primeira parte do livro “Os Exílios do Homem”:
a chuva cai
com tal modorra
até que o vento
até que eu morra
As virtudes poéticas de Francisco Carvalho são diversas e o eolismo é uma delas, que se manifesta de forma intensa na sua literatura, expressando uma variedade de significações. O poeta aproxima o vento das realidades humanas numa dimensão de vida e morte. Isto o destingue dos demais poetas filiados à doutrina do eolismo.
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