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segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Certos versos de um domingo (Silmar Bohrer)




Tarde primavera azul,

nuvens poucas no espaço,

canarinhos em compasso

cá pras bandas do meu sul.


Algum rumor que se alteia

vindo da beirinha da praia,

deve ser a essência gaia

fabulando com alguma sereia.


Brigadeiros celestiais

estes céus tão azuis,

magias verdes, concluis,

são os mares-poemas colossais.


Ventanejares fecundos

nesta noitinha dos ventos,

vão eles cumprindo intentos

de mensageiros dos mundos.


Andam gotículas frias

volitando pelos ares,

é a Poesia dos meus mares

disfarçada de maresias.


Vento, ouvindo teu sibilar

nestas tardes primaveris

alguma coisa então me diz

que devo contigo cantar.


Destes céus a magnitude,

dos meus mares a realeza,

e eu nunca jamais pude

versejar tanta grandeza.


Ventos parecem visagens

nestas noites barulhentas,

como ventanejas - ventas,

ventinho - nestas paragens.


Nas manhãs primaveris

ouvindo o som da passarada

teço versos em disparada

buscando as rimas mais hostis.


Maravilhas que seduzem

eu vejo em tantos lugares,

e todas elas conduzem

aos céus, terras e mares.


O ventinho primaveril

nesta manhã domingueira

traz a Poesia faceira

em cantigas de encantos mil.


Barra do Saí/281110
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domingo, 30 de janeiro de 2011

Chuvantiga (Raymundo Netto)





Seria uma crônica sobre a chuva? Mais uma, dentre tantas, não fosse o fato de que, ao entranhar a lembrança no pensamento, senti chover-me no peito a chuvantiga. A quedar-me assim, comecei:

Numa das ruas do Monte Castelo, seguia um barquinho de papel a correr-lhe pelas águas frias das coxias. Sem pressa, sem pressa, chuá, chuá, imaginava: todas as aventuras do mundo cabiam naquele barco a desmanchar-se lentamente enquanto vaguejante por sobre um céu baço que parecia, na meninice, ser tão grande.

Nas calçadas, buscando bicas, outros meninos e meninas saltavam felizes a tiritar, braços cruzados ao peito, inda livre, crentes na simplicidade de uma vida a viver ainda distante e muita.

À praça redonda, as peladas nas areias corriam entre pernas ligeiras. Os menores piscinavam no antigo chafariz coberto em mosaicos vermelhos que nem vi crescer, assim como aquelas crianças.

Em volta, pretos guarda-chuvas cumprimentavam-se com bons-dias domingosos; o peixeiro a cantar para as freguesas aos portões; encimando os muros baixos, verdes em limbos, as buganvílias, afirmando um vai-e-vem, dançavam; os cães a ladrar o estranhamento; as águas cortinavam, de cores, arco-íris na varanda; as empregadas corriam a desroupar o varal: “Chega, menina!”; o cheirinho de terra molhada entupia as narinas quando os respingos frios — vinham das venezianas do quarto — jaziam no travesseiro; o tactac repenicado no telhado acompanhava o grito do vizinho no alto do muro do quintal; o quintal avermelhecido em acerolas.

Era manhã e na sala inda escura o café esperava — passado no pano —, com leite, o pão francês quentinho e a manteiga de lata.

O pai, a mãe, os irmãos: nunca a mesa fora tão pequena.

Chovi com a chuva a tarde que ribombava.

“Mundo, mundo, vasto mundo”... Ah, se eu não me chamasse Raymundo, como vento gemeria, não em prosa, mas em poesia, todo o vivido retrato que, só no escuro deste quarto, a rasgar os céus azula-me o clarão, pela janela distraída do nublado coração.

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Coluna quinzenal do Vida & Arte de O Povo: Raymundo Netto. Contato: raymundo.netto@uol.com.br blogue AlmanaCultura: http://raymundo-netto.blogspot.com
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