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quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Decór Ação (Raymundo Netto)

Decór

Ação
(Heart, 2009, Kathy Mueller-Moser)



Vem de lasso o coração.

Na noite quente estrelar em fogo

Espelha-se num vogo mar de vagas a devagar.


Vem de vasso coração,

Nos vermes que roem as notas tristes da canção

Na trilha arena de areias entre as cenas a espraiar.

Vejo-te à noite, laxo, a desprender no céu um facho enluarado

O peito aperta e apertado espreme a lembrança da lança no peito a lancinar.

Um teu sorriso doutro me chega como em chamas que me chamam, e enchamado,

Posto em mim, trago a sem telha amarga do não abrigo

E comigo a lembrança esporeada — tarda música maculada,

E o fardo impenso da espera.

Derramam-se por trago chão, as migalhas do que sou em pão.

Em ti, do que sou, em pão e viscera.


Vem de lasso o coração.

O que move-se e morre-se a todos os teus dias;

O que vai de mim contigo quando te sais;

O mesmo que não me deixa quando então se foi;

O que é por nunca ter sido só e apenas;

O que me’dula mais do que a ti.

O teu, pois que a mim não-afora pertence

Qual pensa mente perdida no vão

Dos teus castanhos entretidos na distância vazia de

uma minha saudade

De esta tua boca, que quando silencia, finalmente, se entrega

E fala mais do que as tuas seguras palarvas.

/////

Três poemas de Pedro Du Bois


(Marc Chagall, Acima da cidade)



VOZES

Sendo apenas
a voz
no discurso
incompleto

engloba verbos
             substantivados: às vozes
                                     cabem sons
                                     exemplificados

                      (não atos
                       concretados)

a voz sobre
         a aversão aos fatos.




OUVIR

Ouço o corpo em lembranças,
estremeço; penetro a música
e me expando em cantos: letreiros
iluminam as ruas, a dor opaca
o caminho: em mesas reunidos
homens desdenham a farsa
da novidade. O corpo alenta
o desejo; entrevejo o fogo
apagado. Danço o terminar
da hora; esqueço ao atormentar
espíritos. A ultimação
do fato transfigura
o papel em desenhos.




RECOMEÇO

Sou remanescente, lado avesso
ao desconhecimento. O oposto ao corpo,
luz. A bravura da ovelha, o cão guardando
o rebanho. Recomeço.

Habito terras desprezadas e me faço estéril
pensamento. Guardo a palavra.

Sou vento impreciso e ágil
sobre a cobertura. Espalho a poeira
e a misturo entre lajes.




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Pedro Du Bois - Poemas
Jornal - Correio do Município
Meio Tom - Poesia e Prosa
Revista Cerrado Cultural
Modus vivendi
Literatas - Revista de Literatura Moçambicana