Translate

quinta-feira, 24 de março de 2011

Em favor de uma TBC original (Alaor Barbosa)



A Televisão Brasil Central, pertencente ao Estado de Goiás, mudou o nome para TBC News. E vai adotar um estilo de televisão copiado de uma emissora americana. Só notícias.

As mudanças anunciadas constituem erros graves. O primeiro erro é o da inconstitucionalidade do novo nome adotado: fere o Art. 13 da Constituição Federal, que estabelece: “A língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil”. O certo seria chamar-se TBC Notícias. A palavra notícias é – e mesmo que o não fosse, pois pertence ao vocabulário da nossa língua – muito melhor, mais bonita, mais expressiva, mais inequívoca e comunicativa do que news. Adotando notícias em lugar de news, a TBC se ajustaria também aos bons exemplos das emissoras públicas federais no ponto em que se mostram redutos e instrumentos de resistência da cultura nacional. Adotando o substantivo news no nome, inscreve-se a TBC no rol das emissoras de televisão brasileiras subservientes ao imperialismo anglo-saxônico. Até agora, somente emissoras privadas haviam cometido esse desastroso ato errôneo.

Poemas (Dércio Braúna)

Abstrato - Fernando Odriozola


PREPARO UMA LUZ



Este chão já não tem limpeza possível.
Mia Couto
Vinte e zinco



Velo por minhas circunstâncias.

Estou nudo
das armas contemporâneas,
solene sobre o escuro estrado
no centro duma praça aberta
                              e cinza.
Nela há homens mais nudos que eu,
porém gozam do triste benefício
da profunda aniquilação.

O tempo, o mar que espia,
o homem que expia,
tudo parece praparado
para a triste glória dum tempo antigo
que hemos de ter.

Os ossos de minhas circunstâncias,
já os acendo:
          preparo uma luz
          para dias malditos ―
          os em que pisaremos
          o coração do irmão.




Abstrato - Flávio Shiró



DADOS BRUTOS



Eu sou muitas pessoas destroçadas
MANOEL DE BARROS
Livro das Ignorãnças



I.

um dia
vinte e quatro horas
cem mil soldados
um sem-número de tanques

seis homens-bomba

um império
(que Deus [?] sempre o salva)

uma enfermaria
quinze crianças mortas
um pão para dois
(uma falta para tantos!)
um bilhão
uma bomba
                     pólvora
                     pedaços
                     poeira
           povo
gente
          (algo se esvai...)

um osso exposto
um grito
(o homem, por que não sara?)
um cão-vagador
uma nota na imprensa
dez estrelas aos ombros

um general
uma relatório
centenas de baixas
um despacho
um mercado abaixo
uma ponte abaixo
uma terra abaixo
(quantas indigências sob a vala rasa!)

um dia...
(arrastado desde o tempo dos tempos!)
pergunto:
                 evoluiremos do vírus
                 algum dia?


II.

Há no mundo um imundo cão-vagador
farejando a carniça dos que quedam rotos:
Deus bem pode ser um de seus nomes.




 
*Dércio Braúna é historiador, poeta e contista, autor de O pensador do jardim dos ossos (Expressão Gráfica e Editora, 2005), A Selvagem Língua do Coração das Coisas (Realce, 2005), Metal sem Húmus (7 Letras, 2008), Uma Nação entre dois mundos: questões pós-coloniais moçambicanas na obra de Mia Couto (Scripta Editorial, 2008), Como um cão que sonha a noite só (7 Letras, 2010). Contato: derciobrauna@bol.com.br.