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terça-feira, 5 de abril de 2011

Por que passar a vida sem ser notado? (Tânia Du Bois)


“O que é um livro em si mesmo? / É um conjunto de símbolos mortos. / Então aparece o leitor / certo, e as palavras saltam para a vida” (Jorge Luis Borges)

Podemos ser notados de muitas formas na vida. Algumas boas, outras ruins. Ambas ficam marcadas para sempre, como nesta frase, dita num encontro: “Me orgulho de chegar até aqui, sem ter lido um único livro.”

Insônia (Pedro Salgueiro)



Começo de madrugada. Cachorros ladram. Um burburinho chega da vizinhança. Agora um vento frio entra pela clarabóia. De quando em vez um galo canta, e espera a resposta dos outros. Um soluço corta o silêncio na casa ao lado: alguém chora um antigo amor? Um pai lamenta o destino da filha? Ao longe uma sirene, bem mais distante um sino toca. Seria já manhã? Ou todos os ruídos da noite confluíam para aquele quarto simples de subúrbio: todos os lamentos perdidos, súplicas vãs, soluços de arrependimento ecoavam pelas paredes, farfalhavam entre as folhas da acácia, resvalavam nas frestas da persiana — um milhão de minutos pingava no relógio da sala: os rostos dos familiares mortos ganhavam uma nitidez surpreendente. Outro galo confirmava a madrugada, a mesma madrugada de outras épocas, como aquela em que amarraram o bêbado Napoleão no centro da praça — merecido castigo por seu misterioso crime — quando se fecharam todas as janelas: menos uma, logo aquela... a culpada de tudo. Um grilo agora eternizava a madrugada, fazendo com que a manhã fosse uma esperança perdida, um sonho que nunca se realizaria.
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