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quarta-feira, 18 de julho de 2012

Averno (William Lial)*




 (William-Adolphe Bouguereau, Dante e Virgílio no inferno, 1850)

Enquanto os cães ladram longe, o vento sussurra no pescoço. Quer mais? Posso quebrar seus olhos, afogar sua boca e dizer que te amo. Só o mal te ama agora por que só o mal você tem conhecido; você que vê sorrisos de chumbo e permite abraços líquidos, ouve vozes de rapina, e por todo lado cheira o pútrido que escorre dos muros e resvala no chão. Viu os olhos que te olham? São frios! Nada gela mais o mundo do que olhos que olham sem ver. Não percebe? Quase ninguém mais vê. Cegos, dia e noite, andam perdidos, julgam tudo ver, e nada veem. Olhando uns através dos outros veem a si mesmos, pois nada parece existir além do "eu" que tudo quer e nada dá, que de tudo reclama e nada erra. Só o mal te ama agora, com amor que só ele sabe dar ― frio e áspero. Não quer? E onde acha que pode encontrar um amor melhor do que este? Não, não se iluda, não há amor em parte alguma, este que lhe ofereço é o único amor que o hoje conhece. A humanidade não ama o amor que busca, ela imprime e impõe o que julga ser seu amor, e sufoca sua garganta que não respira mais sob a poeira dos sentimentos esfarelados. Quer que eu te mostre o mundo? Vem, vê como sonham os humanos, vê como e o que desejam acordados. Olha! Viu alguém pensando em você? (riso frio e cortante). É isso! Parece que todos sonham com espelhos, e sobre os ombros do espelhado não é você que se encontra, sou eu, aquele que sussurra o mal, que dá o que eles almejam, que rir o escárnio que tanto merecem. Sou eu, meu amigo, sou eu o verdadeiro gênio da lâmpada dando o que pedem em troca de suas almas. Não sinta por eles, nunca valorizaram suas almas; elas não valem nada, a não ser para mim. Ah sim, ser-me-ão úteis diante os portões velhos do meu mundo. Todos meus, todas minhas, as almas covardes, lúgubres, secas. Então, por que não desiste, não para de lutar contra o inevitável. Quer ser mártir? Os mártires morrem sedo. Viva mais, por mim (riso irônico). Tudo bem, viva mais por você, pelo seu bem estar no mundo em que ainda vive. Nosferatu? Não, não preciso sugar ninguém, dão-me tudo de graça! (riso debochado). Mefistófeles? Gostei! É um nome forte, poderoso, combina comigo (novo riso). Mas vamos ao que interessa. Vem comigo? Dar-me-á a honra de tua presença. Não é tão ruim como dizem depois dos meus portões. Há belas nuvens negras durante o dia, uma maravilhosa névoa fria e um odor de flores de enxofre que somente eu possuo e que embala todos os sonhos entorpecidos dos meus (riso de escárnio). Vai se negar o sucesso, o bem viver, por causa de uma escuridãozinha? Tudo bem, sou paciente. Posso esperar um pouco mais. Mas sei que vai ceder, todos cedem. Não há mundo novo, meu amigo, apenas o mundo de sempre, com novas máscaras em antigos monstros, todos piores do que eu. Salvação? Ingênuo! Não há salvação. Você está só. Todos estão sós até se unirem a mim. Eu sou a verdade, a imagem e semelhança na qual este mundo se espelha. Estou em todos os lugares, vistos e não vistos, nos sorrisos de escárnio, na ira que amaldiçoa, na inveja que domina. Mas vou esperar por você. E quando me quiser, não precisa me chamar, eu saberei. Afinal, nunca tiro os olhos de você!
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*Extraído do blog http://williamlial.blogspot.com
Para conhecer o escritor:
http://williamlial.blogspot.com
http://twitter.com/WilliamLial
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A poesia reunida de Hildeberto (W. J. Solha)

(Poeta Hildeberto Barbosa Filho)

Na próxima sexta, às 17 e 30, Hildeberto Barbosa estará lançando na Livraria do Luiz um volume de 430 páginas, editado pela Ideia – Nem Morrer é Remédio – com tudo que ele produziu entre 1986 e 2010. Nesse conjunto de obras – doze delas – pode-se ver nitidamente a evolução do poeta, com coincidente e crescente libertação de influências, permanecendo, no entanto, a angústia (frequente desespero) do autor, como nestes versos extremamente expressivos de O Último Concerto:

Todos os anos
passaram por mim
e o futuro não chegou.