(Poeta Hildeberto Barbosa Filho)
Na próxima sexta, às 17 e 30, Hildeberto Barbosa estará lançando na Livraria do Luiz um volume de 430 páginas, editado pela Ideia – Nem Morrer é Remédio – com tudo que ele produziu entre 1986 e 2010. Nesse conjunto de obras – doze delas – pode-se ver nitidamente a evolução do poeta, com coincidente e crescente libertação de influências, permanecendo, no entanto, a angústia (frequente desespero) do autor, como nestes versos extremamente expressivos de O Último Concerto:
Todos os anos
passaram por mim
e o futuro não chegou.
Tirou-me as palavras da boca!
Mas fica evidente que a própria condição humana é a causa do sofrimento hildebertiano, como se deduz pela bela fala de “seu pai”, em Herança, onde se vê a origem de suas conhecidas noites mal dormidas:
Deixo ainda as noites
de inverno com suas aquáticas
insônias e a cicatriz
dos relâmpagos.
A vida é traição / disse-me um poeta / de cabeceira / num poema que ecoa/ a vida inteira. Isso é o que ele diz noutro desabafo, Itinerário. Por que? Talvez pelo que seria a insatisfação ante a própria obra:
– Minha identidade /ainda a procuro como um fiel / a um deus incógnito.
Como todo poeta é um fingidor que finge a dor que deveras sente, preocuparam-me reiteradas declarações como esta, em Ode à Minha Morte:
Poucas coisas devo amar
como a minha morte.
(...)
Com a minha morte
me libertarei.
Sei lá, mas talvez tudo não passe de uma busca do clima que ele considera essencial à poesia, pois em seu Poética (pelo Avesso), proclama:
Não acredito em poesia / que não seja perda, perplexidade. // Que não seja dor, desterro,
desamparo, dissipação.
E, naquele que talvez seja seu mais perfeito poema – Portugália – diz:
Meu verso se quer agônico
como agônico é verso de Cesário Verde.
Vêde que nele há
uma dor antiga (que vem de longe)
e jaz perdida nos ermos longes
de Póvoa de Varzim.
Vêde que nele há
também o Alentejo, Évora,
e ele é Camilo, é Pessoa
e é Pessanha.
Eça, alma amada lusitana
que habita em mim.
Soberbo!
Afinal, a dor não é exclusividade sua:
Nem os sábios são felizes.
nem os poetas são felizes,
nem os deuses são felizes.
Noutro ponto:
Valeu a pena? Valeu.
Quando a alma não é pequena
faz do poema um encontro
com Deus.
E assim é que ele encerra o poema Mapa:
Só a poesia salva.
Mas nenhum poeta, na verdade, se satisfaz com o que faz:
Meu verso é frágil
como todas as coisas.
Precário e impuro, abdica
da verdade, da assepsia,
da exatidão.
A poesia de Hildeberto, no entanto, me encanta mais quando se despoja da exacerbação que lhe é cara. No primeiro livro, de 1986, por exemplo, abre o poema Aforismático assim, antologicamente:
Uma cadeira
é qualquer coisa de ausente
no vazio da sala.
A sala
é um deserto
no vazio da minha fala.
Onze anos depois, diz, em As Coisas:
As coisas são poéticas, sim.//Parafusos de porcelana/ abandonados no tempo,/toalhas estendidas no varal / da noite, quando a tristeza / invade a alma de umidade.// O papel perdido à espera / do pouso musical das palavras,/ a tesoura e seus espelhos,/a pedra com suas estrias/de luz, a lúcida ferrugem / de antigos cadeados.
Simplicidade. Em Pequena Odisseia da Infância, ele sintetiza, no minúsculo e tocante poema
Telêmaco:
Meu pai viajava
minha mãe tricotava
eu que sofria.
De repente sua teologia se humaniza. E comove, Em Prece:
Procurar Deus
não tem fim.
Deus é
dentro de mim.
Encerro esta resenhazinha com mais uma preciosidade, Recorrência, sobre a qual não há o que dizer, sem acabar redundante:
Sempre amei as pedras.
Brutas,
raras,
cálidas,
sempre amei as pedras.
Túmidas,
toscas,
tristes,
trágicas,
sempre amei as pedras.
Súplices,
sacras.
Sempre amei as pedras.