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quarta-feira, 24 de julho de 2013

Razão (Clauder Arcanjo)




 “Não há nada que esteja mais em moda hoje em dia do que ser fascista em nome da razão.” Raduan Nassar, em Um copo de cólera

Na sala grande, vigiada apenas pelo vira-lata Messias, Jovelina fiava a sua solidão por entre os pontos do tricô. Os olhos na trama da peça, o pensamento na rua.
Pontualmente, à meia-noite, o ruído da chave na porta. Os passos fortes de Emetério, apesar de tangidos pela pinga. “Troco você por um trago, Jovelina. Fique desde já ciente disso!”; a frase pronunciada desde a longínqua lua-de-mel.
O olhar voltado para o telhado alto, a luz da lua coada pelas telhas de vidro. E a lembrança dos conselhos da família.
O velho pai, rabugento e tirano nos limites da sua própria alcova, aconselhava-a: “Deixe esse canalha, minha filha, em nome da razão!”
A mãe, sempre encurvada pelo sofrer, sussurrava-lhe: “Esse homem não presta, Jovelina. Tenha bom senso, volte para casa!”
As amigas, solteironas, amargando as horas num infindável caritó, vociferavam: “Se fosse eu, é lógico, a mala desse sem-vergonha estaria na porta da frente no fim da primeira noite.”
Messias espreguiça-se, rosna baixinho, faz um carinho nas pernas secas de Jovelina, e ela se levanta. Sabia que Emetério lhe esperava; soltou os cabelos longos e rumou para o quarto. “Troco você por um trago, Jovelina. Fique desde já ciente disso!”

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terça-feira, 23 de julho de 2013

Diário com Uliyana Maksymenko (Nilto Maciel)


(Quadro de Aldemir Martins)


Escrever diário é não viver. Ou é viver só para escrever. Com anotar fatos do cotidiano se parece fotografar ou filmar. Pintar ou desenhar também. A cada dia, a cada hora, o autor de jornal literário ou íntimo (ou pintor, fotógrafo, cinegrafista) estará a se perguntar: por que fui à praia? Para anotar o passeio no caderno. Para fotografar ou filmar o mar. Não para vê-lo, não para desfrutá-lo, não para correr nas praias, pisar a areia, sentir a brisa. O escritor de diário, do mesmo modo o fotógrafo, o pintor, o cinegrafista, é mero anotador de movimentos ou poses dos outros. Da vida dos outros. Ele mesmo não vive. A não ser que outro escritor, pintor ou fotógrafo “narre” seu cotidiano. E se outro, terceiro pintor, se dedicar a pintar o segundo pintor a pintar o primeiro pintor?