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terça-feira, 5 de novembro de 2013

A casa e o poeta (Francisco Miguel de Moura)














A casa do poeta  tem por via
a fala dos irmãos com outro irmão;
de uma vida coberta de  paixão,
as confissões: tristeza ou alegria.

É um menino pequeno (como não?)
no que quis e jamais pôde alcançar,
que  sofre  tantas  vezes  por amar,
quantas vezes num choro sem razão.

De medo, treme à vista do vizinho,
pois no quintal dos fundos grita e freme
um diabo nu, barrando o seu caminho.

Diante de Deus e de Nossa Senhora,
pede conformação para quem geme...
E não terá sua casa onde não mora.
                     
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segunda-feira, 4 de novembro de 2013

O Testemunho das Estrelas (Mariel Reis)






O homem é o que ele inventa de si mesmo. O fato é real apenas enquanto acontece e extingue-se no instante seguinte. Ou necessita ser reinventado inúmeras vezes, tanto que a sua essência torna-se a própria mudança. Não há maneira de colocá-lo diante dele mesmo, exigindo-se que se reconheça. Ele terá a impressão de se enxergar ali, naquele lugar, naquelas roupas. Na fotografia, reconhecerá a si mesmo, suspeitando de que alguém lhe forjou o passado. Tudo que antes era reconhecidamente dele, noutro instante, desgarra-se. E todo um mundo em que anteriormente se tocava, desmancha-se. O passado é um fantasma evocado pelo memorialista. Toda a sua carne é feita de gaze fina, e a sua voz é melancólica como o canto do urutau. O memorialista (re) força a confissão do fantasma para resgatar o passado e tudo o que ouve é a própria voz costurando os vãos do cômodo.

Quintal dos Dias, de Nilto Maciel, escrito como um móbile, pode ser lido como a exorcização de si mesmo através da rememoração de sua própria trajetória. A memória é uma matéria informe e os fatos, quanto mais distantes, mais irreais. Mesmo na esfera pessoal, os tempos confundem-se: passado e presente agem simultâneos. E a mãe morta pode estar na cozinha, preparando o assado para o almoço domingueiro, ou aquele tio pode estar buzinando no portão para o passeio vespertino no verão pela cidade, em seu carro velho. As memórias, os dilemas e toda educação sentimental e literária exposta em uma linguagem cerrada, perfurante e comovente. E, sobretudo, serena. A evocação não é de um espírito turbulento, ou com vontade de um acerto de contas. O balanço não tem como saldo final determinado resultado. Tudo está reunido e desmembrado. Estranhamente. Ternamente. O narrador cáustico fustiga de impropérios os falsos amantes da literatura; em seu furor inquisitorial, aponta o dedo para os vendilhões do templo, cai vencido pelo cinismo e pela mediocridade do mercado. Depois da queda, o consolo: o tempo. O único remédio para todas as inquietações e destemperos.

Escrevi uma pequena nota, apesar da peroração do autor de Quintal dos Dias, em que perguntava, com interesse de resposta, às grandes editoras do país, qual, dentre elas, iria ao Ceará, inquirir a Nilto Maciel sobre seus alfarrábios. E, após intenso interrogatório, arrancá-los dele e publicá-los. A resposta ainda não veio. Certamente um dia, virá. Cedo ou tarde para nós ou para eles. Teremos como testemunhas apenas as estrelas ou talvez nem elas.  Se nenhum de nós mais estiver por aqui, procurem-nos pelas mangueiras dos longínquos quintais, nas sacadas repletas de luz, onde nossos rostos translúcidos trarão o tom de cada manhã e onde nosso corpo estará espalhado pelo que ainda é o dia.

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