Uma mulher jovem e atraente, de nome Helena, cai da torre do sino da igreja-matriz de Palma, pequena cidade perdida no interior do Brasil, e nada leva a crer que tenha cometido o desatino de suicidar-se. Morte misteriosa e escandalosa que vai quebrar a rotina modorrenta da cidadezinha. Este é o mote que leva o escritor Nilto Maciel a construir um denso e breve romance negro, A última noite de Helena, em que a elucidação do crime, como nas boas novelas policiais, só ocorre ao final, depois de muito mistério e infundadas suspeitas.
Dono de um estilo fluente em que o erudito, o coloquial, o regional e mesmo o popular convivem sem ofender os ouvidos do leitor culto, como afiança na apresentação o poeta e ensaísta Adriano Espínola, professor de Universidade Federal do Ceará e doutor em Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, além de autor de As artes de enganar: um estudo das máscaras poéticos e biográficas de Gregório de Matos (Rio de Janeiro, Topbooks, 2000), Maciel, em mais de 30 anos de carreira, é um escritor consciente de suas limitações e de suas virtudes, que sabe como levar o leitor até o clímax sem perder o ritmo. Ganhador do XXII Concurso Literário da Secretaria de Cultura e Esporte do Governo do Distrito Federal, Prêmio Brasília de Literatura de 1990, A última noite de Helena foi escrito em 1987, à época em que a carreira do autor, iniciada em 1974 com os contos de Itinerário (São Paulo, João Scotecci Editora; 2ª ed., 1990), ainda estava a meio caminho e seu estilo em busca de uma definição, mas que já antecipava o escritor maduro de agora, o da novela Vasto abismo, vencedora do Prêmio Eça de Queirós de 1999 da União Brasileira dos Escritores, seção Rio de Janeiro.
Se o escritor deve falar daquilo que conhece, contando com sinceridade e sem dissimulações o que sabe e viveu, como recomendava o inesquecível crítico uruguaio Ángel Rama (1926-1983), Nilto Maciel, 60 anos, homem do povo, nascido na minúscula Baturité, no interior do Ceará, sempre seguiu à risca esse preceito. Maciel tem a alma dos cantadores de viola das feiras nordestinas à qual adicionou a sabedoria livresca, de quem estudou estilos antes de formar o seu.
Essa atitude é a sua carta de apresentação: a sua literatura começa a partir da vida autenticamente vivida junto às camadas populares, ainda que o cidadão Nilto Maciel tenha tido a oportunidade de conviver com os poderosos que mandam (e desmandam) no Brasil sempre de olho em seus mesquinhos interesses. Não se deixou cooptar pelos padrões burgueses, permanecendo fiel às raízes populares, fonte de sua literatura. É por isso que se pode dizer que há em Maciel uma postura antiliterária em que se apóia a escritura de A última noite de Helena.
Como bom representante do romance negro, Maciel deixa as conclusões sobre as verdadeiras motivações do crime ao sabor da imaginação do leitor que, à medida que se vai aprofundando na história, menos certezas tem, pois suas conjecturas são desfeitas a cada nova página ou novo lance romanesco.
Morta a mulher em circunstâncias mais do que suspeitas, as primeiras incriminações recaem sobre o vigário, que já não tinha boa fama. À delegacia de polícia é convocada boa parte da população da cidadezinha e o delegado já não esconde que desconfia mesmo de que o padre é o assassino. No fim, ocorre o desvendamento da trama urdida por ex-seminarista que pretendia se vingar do padre.
É a velha curiosidade em saber em por trás de qual máscara se esconde o assassino que motiva o leitor a percorrer esta novela de escassas 97 páginas de um só fôlego, deixando-se levar pelo estilo fragmentário, de frases curtas e cortantes, e um tanto saramaguiano de Maciel em que os diálogos estão diluídos no texto, sem os convencionais sinais de travessão ou aspas, sem que por isso a leitura se torne mais árida ou dificultosa. Nilto Maciel ficou conhecido nos meios literários brasileiros em meados da década de 70, depois de ter lançado em Fortaleza a revista cultural O Saco, que reuniu textos de escritores que começavam a carreira àquela época, alcançando repercussão em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, tal a modernidade de sua concepção gráfica, aliada ao bom gosto de seus ilustradores.
Em 1977, transferiu-se para Brasília, onde trabalhou na Câmara dos Deputados, no Supremo Tribunal Federal e no Tribunal de Justiça do Distrito Federal até 2002, quando se aposentou e retornou a Fortaleza. O emprego na burocracia estatal, porém, jamais o impediu de dedicar-se à literatura, não só publicando 15 livros de contos e romances como editando desde 1991 a Literatura: Revista do Escritor Brasileiro, que está em seu nº 28 e que melhora a cada edição.
Entre as suas principais obras estão os romances Os guerreiros de Monte-Mor (São Paulo, Editora Contexto, 1988), Os varões de Palma (Brasília, Editora Códice, 1994) e A rosa gótica (Florianópolis, Fundação Catarinense de Cultura, 1997; Brasília, Thesaurus Editora, 2ª ed., 2002), que obteve o Prêmio Cruz e Souza de 1996, e os livros de contos Punhalzinho cravado de ódio (Fortaleza, Secretaria da Cultura do Ceará, 1986), As insolentes patas do cão (São Paulo, João Scortecci Editora, 1991), Babel (Brasília, Editora Códice, 1997) e Pescoço de girafa na poeira (Brasília, Secretaria da Cultura do Distrito Federal, 1999), entre outros. Também poeta, tem poemas e contos publicados em esperanto, espanhol, italiano e francês.
(Jornal O Primeiro de Janeiro, Porto, Portugal, 11/7/2005; e revista Literatura nº 31, jan/abr/2006)