Salomão governava com mão de pluma. Quando estudante, até fizera versos. Queria ser poeta. Conhecia os melhores poetas da língua portuguesa. Dos mais antigos aos mais modernos. Com o tempo, trocou os versos pelos discursos. E o moderno pelo antigo. Terminou prefeito de Palma.
Vivia discutindo com seu secretário, que redigia torto. Pedia um ofício, vinha uma barbaridade.
— O que significa isso, Seu Elias?
O secretário ria, tentava explicar. Salomão se irritava, falava mal dos neologismos, das gírias, da linguagem dos jornais.
— Não sabem escrever. Bando de analfabetos.
Todo dia os dois discutiam por força das palavras, da sintaxe, dos estilos. O prefeito apegado à gramática, o secretário às novidades.
— Lembre-se de que sou íntimo de Camões, Bilac, Bandeira e de todos os grandes poetas.
Até que resolveu demitir Elias.
Já velho, família para cuidar, o ex-secretário buscou socorro nos moderníssimos olhos da primeira-dama.
— Só sei fazer isso, Dona Josefina. E não há mais tempo para aprender outro ofício.
À noite, Salomão se aborreceu de novo. Não, não voltaria atrás. Palavra de prefeito, palavra de rei. Não admitia barbarismos, barbaridades, barbáries.
— Não seja mau, Salomão. O coitado até chorou.
Do pedido passaram às ordens, destas a dominados e dominantes. E terminaram em revoltas e mortes. A ruína da sociedade, da família, do casamento.
— Vamos então ao divórcio — ele esbravejou.
Ela chorou, os filhos choramingaram, a vizinhança sorriu. Nem a poesia salvava a felicidade.
Perto da meia-noite, o bate-boca acabou. Ora, direis. Os filhos já dormiam. Os vizinhos se entreolhavam, decepcionados.
No outro dia, Elias voltou à Prefeitura.
— Redija um ofício ao Governador — ordenou Salomão. — E pode usar o seu estilo.
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