Avarmas, livro de contos de Miguel Jorge, vem apresentado por um estudo de Gilberto Mendonça Teles, centralizado na noção de "descontinuidade da história". Tendo como ponto de referência a literatura brasileira do final do século XX, percebe-se no escritor goiano o domínio da palavra e da frase, mesmo que, às vezes, não se contenha no utilizar jogo de palavras, como no conto “Jogos de Argolas” (sem redundância), em que palavra e o objeto "argola" se identificam simbolicamente como meios utilizados para prender, laçar, ganhar. Outro exemplo está na aliteração: "a bateria batucava batuque de baque e babaque". Noutro conto aparece a mesma relação palavra-objeto, desta feita o objeto "chave", mas já no sentido oposto de abrir, libertar, como se vê em “Branco sobre Branco”: "Se ao menos pudesse transformá-las (as palavras) em uma chave"... Miguel Jorge se vale muito da imaginação. Certa crítica vê nisso (o irrealismo, o realismo mágico, o fantástico etc) um pecado grave. Ora, tudo o que vem do homem não pode exceder a própria limitação humana, se é que o homem, ou a realidade, tem limites. Assim, é de se acreditar primeiro numa "debilidade mental" generalizada, que seja incapaz de captar ou entender a mensagem transmitida pelo artista ou, mais concretamente, o vôo de imaginação dos artistas (o mais correto seria dizer memória em vez de imaginação). Assim como palavras e línguas são postas em desuso, também o são as idéias. Mas se um baú é um objeto, é também um símbolo. E se não se fala mais o etrusco ou o cariri, as culturas dos etruscos e dos cariris permanecem na memória do homem. Italianos e brasileiros foram reprimidos para esquecer aquelas línguas e culturas. Kafka descreveu o que retirou do esquecimento. É maravilhosa a descrição de um espetáculo mambembe em que homens lançam mulheres com argolas.
A arte, ao contrário da ciência ou da sabedoria, é um mistério até para seu criador. Porque o artista é também um homem comum, embora momentaneamente arrebatado pelo mistério da arte. O artista não “entende” a arte que ele mesmo reflete, exceto no instante da “criação", ou, melhor dizendo, da captação. Se o chamado artista entende sua chamada arte nem ele nem ela são artista e arte. São copiadores, no pior dos casos, ou técnicos em escrever, no caso do simplesmente escritor. Ou apenas homens inteligentes. O artista não é necessariamente um homem inteligente.
A arte, ao contrário da ciência ou da sabedoria, é um mistério até para seu criador. Porque o artista é também um homem comum, embora momentaneamente arrebatado pelo mistério da arte. O artista não “entende” a arte que ele mesmo reflete, exceto no instante da “criação", ou, melhor dizendo, da captação. Se o chamado artista entende sua chamada arte nem ele nem ela são artista e arte. São copiadores, no pior dos casos, ou técnicos em escrever, no caso do simplesmente escritor. Ou apenas homens inteligentes. O artista não é necessariamente um homem inteligente.
Temístocles Linhares, em 22 Diálogos Sobre o Conto Brasileiro Atual, analisando os contos de Miguel Jorge, diz: "É a maneira de apresentar ocultando, que se nota em Kafka, em Faulkner, dentro do princípio de que em toda arte se praticam processos de mutilação, tanto quanto de previsão e sugestão". Ora, pois, a arte não é espelho liso e inteiriço – é, no máximo, água em correnteza, em tempestade, é apocalipse. Contos como “Véspera de Pânico”, até pelo título, é uma revelação, a lembrar os textos bíblicos. Com Avarmas, Miguel Jorge veio demonstrar que arte literária não é mero exercício de escrever.
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