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segunda-feira, 9 de janeiro de 2006

A desilusão de Jonathan Swift (Nilto Maciel)



O menino espirrou para a vida e sua mãe sorriu. O pessoal da maternidade também não se conteve e desatou a rir. Num instante, os sorrisos se transformaram em risos incontroláveis. Mais um minutinho e todos gargalhavam.

O pai do bebê, absurdamente, encheu-se de cólera e chorava, amaldiçoava-se, arrancava os cabelos. Incompreensivelmente ainda, impediu que sua mulher atirasse o menino ao chão e expulsou da sala de partos os médicos e as enfermeiras. Não, não admitia que se cometesse um crime daqueles. 

– É meu filho e vou criá-lo – berrava.

– Mas isso não é gente, meu senhor.

– Um pingo de gente, marido.

No cartório não encontrou dificuldades para registrar o nascimento do filho.

– Que nome terá?

– Sansão.

– Deve ser um tourinho, hem?

Nenhuma igreja, no entanto, aceitou batizar o filhinho de Raimundo Toledo. Padres olhavam, olhavam para os braços do cansado pai e o enxotavam.

– Herege!

Pastores e ministros das mais esquisitas seitas só faltaram chamar a polícia.

– Nem por muito dinheiro, seu embusteiro.

Uma desgraça criar filho pagão, lamentava-se Raimundo.

– Eu fiz de tudo, mulher, eu juro.

– Não, não e não.

– Você então ainda quer matar o bichinho?

– Não tenho coração para essas malvadezas. Você me conhece, sou incapaz de matar uma pulga detrás da orelha.

A conversa rolou pelos mais insensatos becos da inteligência e nada de decidirem o destino do filho. Das pulgas passaram aos leões, destes ao cristianismo, subiram aos céus, desceram aos infernos, reviraram a terra, viraram e mexeram e descobriram a salvação.

– Isso mesmo, mulher, lançá-lo ao rio.

– O Amazonas?

– Qualquer um, contanto que não seja um desses riachinhos vagabundos.

– O coitadinho ia morrer de sede.

– Não, não é isso. Ia encalhar aos nossos olhos.

– Alguém de bom coração irá recolhê-lo e criá-lo.

Arranjaram uma canoinha e desceu Sansão no rumo do mar. Um pescador qualquer o salvou das cachoeiras, et cetera e tal. Amamentado por uma cadela, cedo fugiu de casa. E procurou a companhia de outros bichos. Ao primeiro que encontrou, arrancou as penas, ao segundo mordeu, ao terceiro matou. Sua má fama espalhou-se da noite para o dia. Perseguido, foi dar à casa dos seus.

– Ele voltou, Raimundo.

Atirou areia aos olhos do pai, enfiou um alfinete na bunda da mãe.

Armou-se de canivetes, cacos de vidro, pregos, mil armas e saiu às ruas. Surrado pelos mais vis moleques, chutado e pisoteado pela meninada dos becos, fez as pazes com os pais e de-bruçou-se sobre os livros.

Seus primeiros discursos encabularam os pais.

– Quem diabo é Cíclope, Raimundo?

Os seguintes irritaram a todos.

Atrevido! Maluco! Subversivo!

Preso, condenaram-no à pena de morte por esticamento do corpo.

Apesar de todos os esforços dos carrascos, nem depois de morto Sansão alcançou os 15,24 centímetros exigidos por Jonathan Swift para declará-lo personagem.
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