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sexta-feira, 17 de fevereiro de 2006

Outros poetas de Goiás (Nilto Maciel)


A poesia de Aidenor Aires apresentada em Lavra do Insolúvel é um misto de telurismo goiano e de universalismo: os rios (“Aqui tudo infunde passado / até o rio corre / como se fosse arrastado”); a fauna (“O boi é apenas sangue fluindo”); a flora (“Entre os seres humildes/ da floresta / acendias o alto facho/ de teus ramos verdes/ e da terra suprias tua fome/ e a mesma terra morna/ nutria tua sede”). Pode-se até falar de um regionalismo pós-regionalismo. Tudo construído com a melhor ferramenta da arte poética, voltada para as grandes dores do homem: do primitivo aos catadores de ouro.
Em Peixenauta, de Yêda Schmaltz, encontramos uma admirável utilização da palavra escrita e sonora: “NA PALM,/ palma, palma/ da minha mão/ está o eme de morte/ está a bomba, sou forte”). E uma preocupação enorme com as dores de nosso tempo: “Preocupo-me/ comigo/ ou com a bomba?” O livro, dividido em "Espaço Épico” e “Tempo Lírico”, poderia ser dois, não fosse a maestria com que Yêda consegue levar a termo a criação de seu peixenauta, lírico e épico a um tempo. Segundo Moema de Castro e Silva, numa das abas de Prometeu Americano (1996), “a profunda compreensão, da parte de Yêda, do trágico, do mitológico, da ambiguidade dos valores humanos traz, para o leitor, uma poesia para cuja decodificação se solicita um leitor qualificado, erudito, atento a verdades míticas universais, um intérprete competente dos elementos essenciais da vida e da cultura”.

Os Frutos do Rio, de Miguel Jorge, falam do Araguaia. Livro feito dentro das águas, sobre areias e canoas, debaixo do sol, nas beiras, nas pedras. Livro nascido e construído, como fruto e como obra. É a poesia dos peixes, dos homens, das doenças, da vida e da morte no rio-mar.
Wilson Martins, em artigo publicado em jornal (19.5.1979), se ufanava ao constatar que “tanto quanto as artes plásticas, a poesia e a ficção do nosso tempo estão voltando discretamente ao “figurativismo”, estão voltando à terra dos homens e às suas angústias”. O poema que dá título ao livro Ver de Novo, de Luiz Fernando Valladares, não por ser o mais extenso do volume, é, sem dúvida, peça rica de poesia, mesmo como peça de artesanato. Um simples fazedor de versos não escreveria estes versos: “Há um peixe na saboneteira / um quintal atravessado na infância / com espaço suficiente / para o cravo e a mangueira”. E, mesmo fugindo ã “terra dos homens”, ainda assim fala de perto da angústia humana, como nestes versos: “Há um astronauta / suicida / na janela do disco voador”. Mais adiante, em “N/O”, uma estrofe digna de grandes pasmos: “Eu que tenho / tantos ombros / venho pronto / para a dor”.

Ver de Novo não é apenas mais um “exercício de paginação”, para utilizarmos uma expressão de Wilson Martins. É um livro de poesia.
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