Estirado no sofá, Fausto lia. Ou talvez apenas namorasse as letras. Não havia mulher no resto da casa. Ninguém mais. Apesar disso, ele vestia um roupão elegante e de seu corpo recendiam perfumes de devassidão.
O livro por pouco não lhe caiu das mãos, quando uma campainha tocou. Não eram horas de despertar. Quem estaria à porta?
Tocou de novo. Fausto largou o livro e correu ao telefone. Alô, boa noite, quem fala?
A voz dizia ser de Sardanapalo.
No entanto, Fausto não se lembrava de ninguém com esse nome. Não seria Assurbanipal?
De qualquer forma, desejava o quê?
Ajuda. Preciosa ajuda. Só ele, Fausto, poderia ajudá-lo. Queria promover uma festa em seu palácio.
Fausto riu. O sujeito só podia estar brincando. Ora, não entendia nada de festas nem de palácios. Fosse para o inferno.
Ia desligar o aparelho e dizer, embora para si mesmo, mais uns desaforos.
— Sou o rei da Assíria.
Conteve-se e comprimiu o fone contra o ouvido. À festa deveriam comparecer os monarcas de todos os tempos. Vivos e mortos.
Riu mais uma vez Fausto. Aquele rei vivia em algum manicômio. Continuasse, pois, a dizer disparates. Rir até fazia bem.
Como Fausto fosse pessoa bem relacionada, amigo de reis e rainhas, contava Sardanapalo com a valiosa ajuda dele. Em troca, oferecia-lhe a sua amizade. Aliás, precisavam se conhecer pessoalmente. Aguardasse, pois, sua visita. Assim arranjariam juntos a relação dos nomes dos convidados. Porque nenhum monarca poderia faltar à sua festa.
Despediam-se e Fausto voltava ao sofá. Conversa mais sem sentido. Parecia até sonho.
O livro jazia aberto sobre o sofá. Nem se lembrava mais do que havia lido. Seriam versos de Goethe? Histórias do Diabo? As vidas dos imperadores romanos?
Fausto agarrou o livro, leu um trecho. Riu satisfeito. Não havia perdido a memória. O livro chamava-se A morte de Sardanapalo.
Preocupou-se de novo. A “conversa” de há pouco teria sido sonho ou realidade? No entanto sonhos não faziam mal a ninguém. Além do mais, costumava sonhar com personagens de livros. Sobretudo quando o personagem o impressionava muito. Sardanapalo, então, comovia o leitor mais insensível. Sua vida era de uma riqueza sem limites. Até sua morte, durante o incêndio do palácio real.
O livro caiu-lhe das mãos, quando tocou uma campainha. Mais uma vez o louco? Não, nem pegaria o telefone. Tocasse à vontade.
A campainha tocou de novo. Porém a da porta. Talvez algum amigo.
Correu e girou a chave. Um sujeito esquisito deu-lhe boa-noite. Vestia roupas fosforescentes. E se dizia Sardanapalo.
Mudo, Fausto deixou-o entrar. E o homem entrou, luminoso, esquisito.
E toda a casa se pôs a pegar fogo.
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