A dois passos do portão, Homero parou, esfregou o lenço na testa, acendeu um cigarro. Homens e mulheres espiavam para o interior do zoológico, como a planejar visitas. Carros iam e vinham, em disparada.
— Bom-dia!
O guarda apenas resmungou e nem despregou os olhos da lata de lixo.
— Eu queria falar com o diretor.
Outro homem se aproximou do portão, olhou para o guarda e seguiu em frente.
— Pode falar comigo.
Homero jogou fora o cigarro, esfregou as mãos, acompanhou com os olhos os passos do outro homem e gaguejou: o assunto, como podia dizer?, o seu caso...
— Talvez o senhor nem saiba da história.
O guarda empertigou-se, deixou de lado a lata de lixo. Então contasse, mas fosse rápido. Não dispunha de muito tempo.
— É o seguinte: o Mico, meu macaco, um dia fez uma besteira.
Acendeu mais um cigarro, soprou muita fumaça, ofereceu a carteira ao vigilante e voltou à história: O bicho estranhou um menino, vizinho seu.
— O senhor sabe como são esses moleques.
Contou que Mico mordeu o menino, mordidinha besta, é verdade, porém o suficiente para criar o maior rebuliço do mundo. O pai do garoto muito revoltado, a mãe aos gritos, ambulância, correria, o diabo.
— E esse macaco vivia onde?
Homero tomou fôlego, atirou longe a ponta do cigarro, coçou a cabeça.
Coitadinho do macaco, ente inofensivo, animal doméstico, ensinado, cheio de artimanhas. Adquirira-o há muito tempo e cuidava dele em casa mesmo, assim como se cria um gato, uma criança.
— Como se fosse meu filho, o senhor entende?
O guarda mal conseguia abrir a boca. Não saía do “sim, senhor”, dos gestos com a cabeça, os lábios, as sobrancelhas.
Pelo quarto ou quinto cigarro, Homero chegou ao recolhimento de Mico ao zoológico.
— Requeri a devolução, porque estou no meu direito.
Emas passeavam ao largo, altaneiras, vagarosas, tranqüilas, e já Homero concluía sua história.
— Primeira porta à direita — orientou o guarda.
Agradecido, risonho, fumacento, o dono do macaco transpôs o portão, a passos curtos. Seguiram-se passos médios, depois longos, como se suas pernas crescessem de um a outro e o último passo tivesse medido cem metros.
— Bom-dia, seu diretor.
Um inumerável cigarro pregou-se aos lábios de Homero, um atropelo de palavras encheu a sala, cheios de emes e mês.
— Meu macaco Mico...
A caminho das jaulas, gaiolas e cercados, a impaciência de Homero arrastava a sonolência do diretor — geringonça de carnes, maria-fumaça descarrilada a puxar vagão de preguiça.
— Faz tanto tempo, Seu Horácio...
— Homero da Silva, Seu Leocácio.
Numa casinhola, cinco ou seis macaquinhos pulavam de cá para lá, agarravam-se aos ferros, mordiscavam-se, lambiam-se, atônitos, olhinhos arregalados.
— É, faz muito tempo mesmo.
E Homero passava em revista a macacada, ansioso, maravilhado, transido de emoção.
— Mico, papai voltou.
— Qual deles é o seu?
Tão parecidos aqueles micos, tão cheios de graça, tão traquinas.
— O senhor não sabe, Seu Leocácio?
Meia hora durou a vistoria, e nada de Homero reconhecer seu Mico. Um, porém, entre os macacos, desde o primeiro momento arreganhava os dentes no rumo de Homero e só faltava falar grego.
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