Quando identificaram o verdadeiro “homem das botas furadas” já era tarde. Ele estava morto e enterrado havia anos. Assim mesmo, fizeram a exumação.
Junto à ossada encontraram as velhas botas do “bandido”. Quase intactas (não fossem os buracos nas solas), como se os vermes tivessem nojo delas.
A má fama do pobre homem durou quase um ano. A primeira acusação deixou toda a cidade estarrecida: perseguira e violentara a louríssima Adalgisa Liutprand, filha do industrial Genwulf Liutprand.
Seguiram-se dezenas de crimes escabrosos — crianças, mocinhas, senhoras estupradas. O monstro atacava sempre em rua escura, sem transeuntes ou carros. E quando a futura vítima andasse ou estivesse só. Perseguia-a, por mais que corresse, e terminava alcançando-a.
Para todos, seria um mendigo louco, cuja única riqueza estaria nos pés: pesadas botas de ex-soldado. Algum ex-combatente.
Houve até quem insinuasse que, quando capturado, algum general o socorreria. Clemência para uma pobre vítima das guerras! Merecia, antes, tratamento psiquiátrico. Não o torturassem.
Durante quase um ano a polícia e a imprensa se ocuparam do “homem das botas furadas” — o monstro dos novos tempos. Dezenas de idiotas foram presos e torturados. Quer tivessem botas, quer andassem descalços. Alguns não suportaram o primeiro soco dos brutamontes.
Outros confessaram tudo. Só um, porém, foi condenado. E se enforcou na penitenciária.
Nenhum deles era o “homem das botas furadas”.
No entanto, a mais sensacional descoberta se deu quando desenterraram os ossos de um homem que usara as pesadas e rotas botas do estuprador de Adalgisa Liutprand e outras mulheres — ele não tinha pés.
Mal andava, portanto.
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