Volto a ler o "Manifesto Antropófago" de Oswald de Andrade, aquele do Ano 374 da deglutição do bispo Sardinha de maio de 1928. E diante do vibrião do cólera e da cólera do Collor, assimilo de modo diferente esta sentença: “Nunca fomos catequizados. Fizemos foi Carnaval. O índio vestido de senador do Império. Fingindo de Pitt. Ou figurando nas óperas de Alencar cheio de bons sentimentos portugueses”. Oswald sempre foi sensato; insensato, os outros.
Então dá para entender Nilto Maciel acima do seu trivial de prosador, quando ele acrescenta ao seu currículo esta coisa grandiosa: “Só às portas do vestibular conseguiu ler dez páginas sobre o pensamento grego, onde o jornalista falava de Sócrates, Platão e Aristóteles, além de meia dúzia de nomes de boa pronúncia.
– Havia Apolodoro?”
Nilto Maciel deve ser de Sergipe. Sua coletânea de escritos é do ano passado. Mas vão continuar tão vivos e tão significativos na virada do século, muito além do João Scortecci, tenho certeza, seu editor.
E isso por bagatela. Só porque fala de coisa nenhuma, com uma coerência criativa inusitada (Inusitada não é a expressão, mas casa com o drama, saca!). E fala da criatura humana – esteja ela sadia da cuca ou não –, fala de crianças, de velhos, de pessoas humanas como nem Guimarães Rosa falou de bichos.
Nem são contos, nem são crônicas esses flashs que viciam o leitor, prendem o leitor e escravizam o leitor página após página, tão sentimental sua congruência: são congruentes, à medida que a palavra incongruência aqui não se comporta. Por que? Que o leitor vá perguntar ao Criador, por que depois de Ele fazer o coelho, o caxinguelê, a marta e a doninha, que são animaizinhos galantes, Ele faz o canguru e o ornitorrinco. Nilto Maciel talvez seja um mutante, quem sabe? Um animal que cria compulsivamente.
Leiam esta coletânea de prosas e fragmentos da vida: vale o investimento de tempo e dinheiro.
(Jornal O Estado do Maranhão, São Luís, MA, 24/4/92)
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