Na mesma linha de denúncia através da farsa ou caricatura, esta novela se estrutura em torno da alienação que marca toda uma geração de índios integrados no mundo dos brancos: do visionário e tolo herói-bufão, Antônio da Silva Cardoso, ao seu bisneto, José, incluindo seu filho João e seu neto Pedro. Todos eles igualmente revoltados contra as autoridades invasoras que destruíram não só a cultura, mas também a dignidade humana dos índios. Todos eles empenhando a própria vida, um a seguir do outro, na luta falaz contra o poder que os esmagava..., mas não chegando além da loucura que determinava os seus gestos e decisões. Todos esses fazedores de guerras nunca desencadeadas!
De lastro trágico, esta novela é aparentemente de natureza cômica, pois o que o discurso narrativo registra é o puro sem-sentido; é a farsa pastelão em que se transformam os sonhos absurdos e ridículos que alimentam seus anti-heróis. Sonhos de grandeza (que envolvem a conquista de riquezas mil e poder político), de vingança contra os invasores despóticos (em suas mil faces: “capitães-mores, vereadores, juizes, almotacéis, alcaides, tabeliães, carcereiros, procuradores...”), de planos de guerra para tornar o Brasil independente de Portugal (daí os tristes “guerreiros de Monte-mor” que, afinal, só existiram na imaginação de Antônio e dos herdeiros de sua loucura).
Novela que faz rir e que dói, Os Guerreiros de Monte-mor, entre outras verdades contundentes, denuncia a injustiça social profundamente arraigada na realidade do povo brasileiro (incluindo descendentes de qualquer raça), torna evidente que as únicas saídas possíveis para os aprisionados pelas leis ou poderes que contrariaram sua verdadeira natureza é pelo imaginário, pelo sonho ou pela loucura.
Daí as estórias fantásticas ou absurdas contadas por Antônio ao filho João, cuja “prosa mirabolante” (onde se contavam profecias mil e familiaridades com seres do mundo maravilhoso) sucedeu à do pai e foi, por sua vez, continuada pelo patético e alienado falar de seu filho Pedro que, a seu tempo, é perpetuado pela loucura guerreira do filho José e seu Regimento Cardoso (que incluía o plano de arregimentar bandos de morcegos adestrados, com os quais índios e caboclos destruiriam “portugueses e seus descendentes puros, o império e suas instituições”).
Novela polifônica, esta permite inúmeros níveis de leitura.
Ilustrações de Éton procuram dialogar com o texto, mas não chegam a fazer contraponto com a riqueza criativa do texto.
(Dicionário Crítico da Literatura Infantil e Juvenil Brasileira, págs. 873/874, 4.ª edição, EDUSP, Editora da Universidade de São Paulo, 1995)
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