Diante da porta bateu palmas, enquanto olhava para os lados. Longe um cachorro andava ao léu, rabo a balançar. Quando o padre aparecesse pediria sua benção. Preparou-se para repetir as palmas. Um rosto de mulher apareceu entre as frinchas da porta. Queria falar com o padre. Não, o padre não podia atender ninguém. Descansava, rezava.
Atordoado, o menino coçou a cabeça, fez careta. O cachorro ainda balançava o rabo. Precisava falar com o padre, sem detença. A mulher falava baixo e punha o indicador diante dos lábios. O que desejava o rapazinho dizer ao vigário? Somente a ele contaria o seu segredo. Ora, segredos só no confessionário. E confissões só na igreja, de manhã. A não ser em casos de vida ou morte. Pois o segredo de João era caso de morte. A mulher horrorizou-se e meteu o nariz no buraco da porta. Quem carecia de extrema-unção? E onde se achava o enfermo? O menino se enfezou. Não havia nenhum enfermo. Porém vinha de longe, do sítio do doutor João Forte, e ...
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Há dias o holandês Vilgot havia desaparecido da cidade, sem deixar rasto. E ultimamente fazia suas pesquisas para as bandas do sítio do doutor João Forte. Todos perguntavam pelo estrangeiro. Sobretudo Victorino, o dono do hotel. Se o homem tivesse arribado, o prejuízo ia ser enorme. Um mês inteiro de hospedagem. E chorava por onde passava.
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O menino implorava, a mulher permanecia do outro lado da porta. O padre rezava, descansava. Confissões somente de manhã na igreja. Então apareceu mais uma mulher. O que desejava o rapazinho? A primeira mulher deu explicações, João se intrometeu na conversa.
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Vilgot Slauerhoff havia chegado a Palma três meses atrás. Apresentou-se às autoridades, falando um português quase indecifrável. Vinha da Holanda com a missão de estudar alguns bichos. Um dos quartos da pensão de Victorino encheu de livros, cadernos, máquinas fotográficas e outros objetos. Saía cedinho, andava pela cidade, conversava com um e outro, enfiava-se no mato. Logo aprendeu o nome de quase todo mundo. Fez amizade com algumas pessoas, tanto na cidade, como nos sítios. Num deles conheceu Pedro Lobo e sua família. E adorou seu filho mais velho — Joãozinho.
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A caminho da sala, arrastando chinelos, o padre gritou pelas mulheres. Que gritaria medonha! Acontecia alguma confusão? As mulheres deram respostas tranquilizadoras. De qualquer forma, conversavam com outra pessoa. Quem? E João se apresentou. Queria contar um segredo a ele. Segredo somente no confessionário. O menino gaguejou. Desembuchasse logo o assunto. A primeira mulher tomou a palavra: já havia explicado... A segunda impôs silêncio àquela. João só faltava chorar, sem se fazer entender.
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O estrangeiro mostrava a todos desenhos e fotografias de tamanduás, socós, punarés e uma infinidade de animais. Dizia serem do século XVII os desenhos. Pretendia comparar aqueles exemplares de bichos do passado a seus descendentes vivos. Pesquisa científica, universitária. Missão de muita importância para a zoologia. Sim, um missionário. No entanto, alguns o chamavam de doido. O holandês maluco.
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Depois de muita insistência, o menino conseguiu entrar na casa paroquial. E sentou-se numa cadeira da sala. O padre se dispunha a ouvir-lhe o segredo. Se não se tratasse de história muito longa. Joãozinho tratou de ser objetivo. Se o padre sabia do holandês. Não, não sabia por onde andava o senhor Vilgot. O menino sabia? Sim – melhor dizendo –, sabia onde o estrangeiro se encontrava. Porém, o vigário não tinha nenhum interesse em saber o paradeiro do professor. Ora, então o rapazinho interrompera sua sesta para falar do cientista maluco? João coçou a cabeça. Se não contasse tudo logo, talvez fosse mandado embora. O holandês andava sempre atrás do menino. E lhe prometia viagens, estudos, conforto. Queria levá-lo para a Holanda. Essas propostas Vilgot fazia às escondidas de outras pessoas. E pedia segredo delas a Joãozinho. Porém como viajar para tão longe sem o consentimento dos pais? Melhor quebrar o segredo. Sua mãe, pelo menos sua mãe deveria compartilhar o seu mistério.
À noite Pedro Lobo ouviu de sua mulher a estranha história de seu herdeiro. E se encheu de fúria.
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O zoólogo, manso feito cordeiro, não tinha herdeiros nem mulheres. Lecionava em Haia e conhecia todo o mundo. Ao Brasil viajava sempre, desde os primeiros tempos de universidade.
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Padre Queiroz se aproximou mais do menino. Falasse mais alto. Menino bonito? Pecado, perdição. O mundo ia desabar ao peso de tanta libertinagem. Passou o lenço em volta do pescoço. E onde se achava o estrangeiro? Enterrado, no sítio.
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