É um romance, em segunda edição, mimoseado com o prêmio Cruz e Sousa, 1996, da Fundação Catarinense de Cultura, categoria romance nacional. É uma narrativa em primeira pessoa – Victor Hugo é o narrador, que é o autor – o próprio Nilto Maciel –, que é primo de outro Victor Hugo que é irmão do protagonista e bibliófilo, Lamartine, da família Coqueiro. Narrativa simples. Sem afetação. Fluente e dinâmica, É a busca de raízes genealógicas. Sem nada de vaidades. Sem contar vantagens ou invencionices.
O narrador bota logo, de começo, realidade, e sonhos, e fantasias, e dúvidas, e indagações, alguma tensão dramática, tudo entremisturado nas 188 páginas de A Rosa Gótica. É verdade: de entrada, o autor Nilto Maciel já vai criando tensões e expectativas, na mesmice do cotidiano. Já se tem também a certeza do escritor maduro. De um criador de estilo.
Lê-se na orelha que Fernando Py tem esta impressão sobre o livro de Nilto Maciel: “é um romance sobre um romance”, apresentando semelhança com , por exemplo, O Nome da Rosa, de Umberto Eco. “Trata-se, na verdade, de história de um bibliófilo erudito, Lamartine, primo do narrador, dono de uma biblioteca vastíssima de obras raras e medievais”... No fim do comentário, tem-se que o “narrador se debate em sua individualidade, da qual principia seriamente a duvidar. E a duvidar da existência de seus leitores”.
É assim uma narrativa, em primeira pessoa, marcada de curiosidade e originalidade formal e de concepção. Do começo ao fim.
Nestas páginas, estão atraentemente narradas as aventuras e desventuras da família Coqueiro, sobremaneira a busca insistente de desvendar a figura enigmática do personagem Lamartine. Teria existido? Pesquisador abnegado? Bibliófilo de fama internacional? Tradutor idôneo? Erudito conhecedor de personagens ilustres no mundo das letras e da cultura? Curioso e cheio de mistério, o protagonista de A Rosa Gótica de Nilto Maciel.
Silvério da Costa escreve na orelha: “No fundo, o livro denota a busca das raízes genealógicas da família Coqueiro, sua história e fixação na Gótia (Palma), além da homenagem a Rosa, uma menina por quem Lamartine era apaixonado e que acaba morrendo afogada”. Núcleo mental sem muitas pretensões, pelo visto. História de família. Mas não é tão simples assim. Não é apenas genealogia e história de um afogamento. Não se trata assim de uma narrativa linear, com começo, meio e fim bem delineados.
Antes de tudo, é um romance curioso. Outrem diria, “sui generis”. Sem dúvida que cada obra é única. Podem-se encontrar pontos de aproximação. De semelhanças. Entretanto é sempre única. Original. A Rosa Gótica tem bem forte estas prerrogativas.
É um romance de realidades, de indagações, de dúvidas e de hipóteses. Portanto é um livro em que o leitor tem trabalho e esforço mental. Romance de informações e de cultura. À medida em que a leitura avança, conhecimentos vão enriquecendo o leitor.
É um livro de lembranças e de recordações: “...Lembrava-me dele e, no desfiar dos pensamentos, alcançava o tempo da meninice. Entrelaçados, reapareciam todos os meus mortos: papai, mamãe, meus irmãos e primos”.
Os dois personagens – Lamartine e o narrador Victor Hugo – botam curiosidades na gente. Há muitos nomes ao longo das páginas, mas é um romance de pouquíssimos personagens. Lamartine, por exemplo, alimenta correspondência com 49 personalidades do mundo das letras e da cultura. Com Clément Toulet. Com Simone Jabés. Com Gérard Jaulin. Com Clément Eustache. E com outros. Sem dúvida, o leitor vai gostar de estar com Lamartine, com sua suposta inexistência. Com suas particularidades. Com suas excentricidades. Não menos singular é o autor narrador. Por suas verdades. Por suas hipoteses. Por suas dúvidas. Por sua lógica. Por seus pensamentos por vezes absurdos.
Outro lado atrativo do romance é o da linguagem. Nilto Maciel, em verdade, tem o domínio verbal. O domínio da arrumação de um vocabulário simples e do cotidiano. Não há, em todas as 118 páginas de A Rosa Gótica um termo apenas que leve o leitor ao dicionário. É um vocabulário do uso diário das pessoas. É um romance para o povo. Nada que contrarie a gramática, mas sem artificialismo e rebuscamentos.
Se a literatura é um labirinto, A Rosa Gótica, de Nilto Maciel, é um labirinto “digno de fazer inveja a Dédalo”, em que, todavia, o leitor não terá dificuldade no retorno à porta de entrada. E, com certeza, repetirá a aventura de cujos entrelaçamentos de frases e de palavras sairá com muito mais conhecimento e cultura e a figura de um romancista que merece um lugar de destaque ao lado dos grandes escritores nacionais.
(Jornal Binóculo n.º 28, Fortaleza, Ceará, maio de 2003, e Revista Literatura nº 25, Fortaleza, CE, jul/dez/2003)
/////