Carlinhos brincava no quintal. Olhou para o chão e viu uma sombra deslizar, correr. Cheiro de coisa queimada. Depois o mormaço. Ergueu a cabeça. Talvez a nuvem prenunciasse chuva. O sol quase o cegou. Levou as mãos à testa e correu para junto da mãe, que lavava roupa próxima ao tanque. Nem sequer deu atenção ao menino. Fosse brincar na sala e não lhe desse mais sustos.
Carlinhos atravessou o corredor e chegou à porta da rua. Às janelas, mulheres debruçavam os olhos para as bandas do céu. Mexericavam medos antigos de fogos vindos do alto para castigo dos pecadores. Nas calçadas, esquecidas pelos meninos, castanhas de caju se assavam. Pés descalços não suportavam a quentura do chão. Evolava-se dele uma fumaça espessa.
— Incêndio, minha gente, incêndio!
O homenzinho parecia aflito, suava muito e fedia a cachaça. Talvez fugisse para a Serra. O jumento, no entanto, mostrava-se manso, sem a mínima vontade de andar. Com certeza, sentia-se cansado de conduzir a carga de bugigangas nos caçuás. E olhava o chão, imune ao medo.
— Incêndio, meu povo, incêndio!
À falta de ouvintes para sua notícia, o homem vibrava o chicote no ar, como a alertar o animal. O fogo devorava a fábrica de descaroçar algodão. E ninguém ia apagar as chamas? O jumentinho dava um passo, catava capim, resfolegava. Olhos fitos na fumaça que passeava sobre todas as coisas, mais e mais pessoas saíam às ruas. Ninguém ia apagar o fogo?
Apavorado, Carlinhos voltou ao quintal. Acocorou-se ao pé de uma bananeira. A terra úmida lhe molhava os pés e o confortava. No alto, porém, a fumaça corria e, de vez em quando, fazia sombra. Parecia até nuvem de chuva. O homem e seu jumento talvez já tivessem ido embora. Carlinhos olhou para o muro. Não fossem os cacos de vidro, poderia ver as ruas, a fábrica, o incêndio. Línguas vermelhas lambiam o céu azul e branco. E as casas, toda a cidade. Sim, o fogo devoraria tudo, coisas, pessoas, animais. A menos que fossem todos para o meio da rua, das praças. Melhor para a igreja-matriz. Lá o fogo não chegaria. O padre dizia que, quando o mundo pegasse fogo, só as igrejas seriam poupadas. E quando o mar invadisse a terra, no dilúvio final, quem quisesse se salvar, buscasse abrigo no interior das igrejas. As águas não passariam dos degraus do patamar. O resto do mundo estaria todo alagado.
— O mundo vai se acabar.
E, se não fosse pela água, seria pelo fogo. Por que não corriam todos para a igreja?
— Vamos, mãe.
Fazer o que na igreja àquela hora do dia? Deixasse de besteiras, fosse brincar.
Obediente, Carlinhos atravessou de novo a casa, aos pulos. Da janela avistou o jumentinho, a comer o capim da rua, conformado com sua carga, manso como antes. O homem, no entanto, falava mais alto e gesticulava muito, cercado de curiosos. No céu, a fumaça negra fazia sombras enormes no chão.
Aflito, o menino buscou refúgio no quarto de dormir e se ajoelhou diante do santuário. Deus o protegeria. Olhou para o teto: a telha de vidro servia de clarabóia. No entanto, a luz do sol quase não penetrava no quarto. E seu pai, onde estaria? Correu mais uma vez para perto da mãe. Ela saberia do pai.
— Está para chegar.
Precisava ter certeza daquilo. Numa carreira medonha, atravessou a cozinha, a sala de janta, e chegou à sala.
— O que é isso, meu filho?
O homem tirou o chapéu da cabeça e se dirigiu aos fundos da casa. Estava salvo do fogo.
Mais longe, o jumento não parava de mastigar. Onde andaria o homenzinho suado? Carlinhos esticou o pescoço — o desgraçado apareceu à porta de uma bodega e cuspiu.
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