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quarta-feira, 7 de março de 2007

Rebelião em Palma (Manoel Hygino dos Santos)



Ágil e infatigável, Nilto Maciel lançou, este ano, o romance 'Os luzeiros do mundo', primeiro lugar no Concurso Graciliano Ramos no gênero, promovido pelo Governo de Alagoas. Se a láurea lhe foi outorgada há cerca de uma dúzia de anos, somente agora houve a publicação, por motivos que não sei explicar.

Porque é um trabalho que desperta natural interesse, mercê da imaginação do autor, da grande criatividade, e da própria trama que engendrou, a partir da morte de Lucas na amorável casa dos Thaumaturgos - o 'Sítio Itamaracá' -, como inscrito numa tabuleta afixada no portão principal. 

O personagem é uma figura rara na pequena, pacata e aparentemente pura cidade de Palma, perdida aí pelos grotões, mas atenta aos acontecimentos regionais, estaduais e nacionais. Alimentava Lucas sonho unionista e pré-sebastianista, escrevia longas e líricas cartas e as enviava a personalidades nacionais e estrangeiras, entre as quais não faltavam frades medievais, pesquisadores da história luso-brasileira e artistas anônimos de obras raras. Solitário, quando a noite descia percorria becos e ruelas escuras ou mal iluminadas, enquanto os cães latiam e, talvez, só funcionasse o cabaré de Ana Souto. Naquelas horas, perambulava por lugares ermos e, quando a lua se mostrava, recitava sonetos de Camões. Não comparecia a festas de qualquer natureza, sequer costumava ir à igreja, embora não fosse considerado ateu. Escudava-se em desculpas para não comparecer às reuniões do Movimento de Defesa da Liberdade, da Família e da Propriedade, embora acedesse em redigir documentos sobre os projetos sediciosos do grupo, que congregava as mais importantes figuras da sociedade legal.

Escrevendo bem, 'preocupado com o rigor artesanal de seu ofício', como opinou com justo critério Ronaldo Cagiano, Nilto Maciel constrói uma obra atraente, em que não falta a ironia em torno dos projetos dos integrantes do Movimento, que se propõe contrapor-se aos comunistas e a seus históricos projetos.

O Movimento procura organizar-se, consolidar-se, para agir em defesa do cidadão, da pátria, da sociedade. Chegou a planejar a fundação do Sindicato das Operárias do Sexo (SOS), para participar de programas de ação. Para o comunista Josias Nóbrega, pela primeira vez um patrão, no caso Ana Souto, sexagenária proxeneta, cuidava de constituir um sindicato de operários.

O mundo imaginário de Nilto Maciel é rico em figuras raras, mas no fundo, localizadas e identificadas aí pelos sertões. É gente como qualquer outra, com idéias as mais comuns ou raras, claras ou birutas. O propósito precípuo é acabar com o comunismo. Nada de vermelhinhos na cidade de tantas e tão caras tradições. Pensando no futuro, o fanfarronesco Eunápio Calado sugere que, após a queima dos livros e da distribuição das armas dos bolchevistas, deveria ser aprovada uma lei pela Câmara Municipal. Ficava proibida a utilização da cor vermelha, onde possível. Batom podia ser verde, amarelo, azul, branco, menos vermelho. Assim também as roupas, os móveis, as paredes, os carros. Um exemplo para os restante do país.

E quanto ao sangue, se também é vermelho? A cruel dúvida foi longamente discutida, até porque em Palma não existia quem quer que seja com sangue azul. Chamado a emitir opinião, o padre Gregório não deu resposta imediata, não enfrentara, em tempo algum, problema dessa natureza e prometeu consultar a Bíblia e seus superiores. Mas além dos comunistas e do sangue, havia muita cousa mais da cor condenada: frutas, flores, legumes. O problema com que teria de defrontar-se o Movimento era mais amplo e complexo. Num livro extremamente agradável, Nilto Maciel põe o tema em discussão.

(Coluna de Manoel Hygino, Hoje em dia, BH, 1/12/2005)
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