De longe se avistava a casinha em cima do morro. Suas formas evanescentes se desenhavam entre as nuvens e, em dias enevoados, parecia suspensa no ar, bem perto do céu. Se o tempo fechava, desaparecia do horizonte, como por encanto. No inverno, o morro ficava verdinho, realçando o contorno das paredes. Dava para pensar que era baixinha e pequena, mas eu não discernia exatamente o seu tamanho porque entendia que na distância tudo ficava menor.
Aquela casinha era um enigma para os meus olhos de menina. Fitava-a todos os dias e estudava um jeito de chegar lá. Quando falava em subir o morro, minha mãe cortava o assunto com rigidez. Dizia que era perigoso. Lá, morava uma doida asmática chamada Maura. Vivia sozinha e não gostava de crianças. Imaginei como deveria ser a vida de uma doida que morava numa casinha misteriosa. Deveria ser fascinante a vida de uma doida, ainda mais com a sorte de morar ali. Pena que não gostasse de crianças...
Procurei esquecê-la, mas quando vislumbrava o horizonte, ela estava lá: quieta, ainda mais nítida e sedutora. Desviava os olhos, mas os pensamentos escorregavam em fantasias e eu desejava ardentemente conhecê-las: a casa e a doida. Por algum tempo, contentei-me com a pacífica visão. Entretanto, a vontade de desobedecer às ordens recebidas crescia. Não entendia por que os adultos complicavam coisas tão simples. Um sonho tão pequeno se tornara impossível só por causa dos caprichos de minha mãe. Ela achava que éramos melhores que a maioria das pessoas daquela cidade. Não deveríamos nos misturar. Eu ficava triste, pensando como seria quando os sonhos maiores chegassem!
Numa tarde quente e tediosa, eu recortava figuras de uma revista, quando uma senhora entrou na sala, chamando mamãe pelo nome. Era quase velha. O passo cansado arrastava o corpo pesado e o cabelo grisalho escorria-lhe pelos ombros numa só ondulação. Desviei minha atenção para os recortes, mas vi quando minha mãe se dirigiu ao cofre, contou um dinheiro, tirou duas notas e lhe entregou. Ela saiu de mansinho, escondendo suas feições abatidas. Pulei na sua frente, de súbito, e ela gritou assustada, reclamando da minha inconseqüência. Então minha mãe não havia sido honesta. Se conhecia a doida Maura, falava com ela, chamava-a pelo nome e dava-lhe dinheiro, eram íntimas; então por quê?!
Fiquei vigiando a sua volta à cidade. A crise demorou a passar, mas passou e ela retornou à minha casa. Resmungona e infeliz, não via graça na vida; falava sozinha, sempre reclamando de tudo. Era incapaz de falar qualquer coisa importante diante da tela da televisão; achava que estava sendo vista como via. Ninguém conseguia fazê-la entender que era só uma imagem, transmitida por torres e satélites.
Era, de fato, doida e asmática. Também não gostava da impertinência das crianças; afetava-se ante qualquer brincadeira. Ela estava ali, bem perto. Tão perto que era melhor não acreditar. Eu imaginava as doidas de outro jeito: alegres, simpáticas, sonhadoras. Que pena! Era só imaginação...
A casinha continuava lá, no alto do morro. No entanto, eu desisti de conhecê-la. A sua magia, pensei, estava na distância, na impossibilidade. O sonho, para ser bom e duradouro, nunca deveria virar realidade. Antes o encanto nos pensamentos escorregadios do que o desencanto nas mãos postas e impotentes. Mas a doida Maura nunca ficou sabendo que foi a minha primeira decepção. Sem se importar comigo, continuou sua saga de mau humor e amargura. Era maior do que ela. E do que eu.
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