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domingo, 29 de abril de 2007

Lições de zoologia (Nilto Maciel)


Quando a mulher morreu, o homem nem sequer chorou. Cavou um buraco e jogou para ele os restos dela.
Há anos não se toleravam mais. Não se chamavam mais pelos nomes. Tratavam-se como inimigos. “Peste ruim, já fizeste as compras?” Sem mostrar aborrecimento, ele respondia: “Ainda não, traste”.
Em busca de sossego, o animal comprou um cachorrinho. Parecia uma bola de lã. Deu-lhe um nome: Ball. Irritada, a coisa maltratava o bichinho com palavrões e pontapés. Se ao menos morassem numa casa! Ora, apartamento não era lugar onde se criasse cachorro.
Afeiçoado a Ball, o diabo decidiu mudarem-se para uma casa. Dias depois o cãozinho amanheceu morto. A desgraçada ria à toa. “Foi você, megera? Pois vou comprar um cão enorme, um Cérbero. Já ouviu falar no cão que guarda a porta do inferno? Pois vai ser ele o nosso cão de guarda”.
Às voltas com os latidos ensurdecedores, aqueles dentes enormes, a fome infinita daquele mastodonte, os excrementos montanhosos, madame rabuja não parava de reclamar e de descobrir novos nomes para o seu marido. Ainda terminariam despedaçados pela fera. No meio da noite, indefesos, rasgados em mil pedaços. Se ao menos morassem numa fazenda, num sítio, no meio do mato!
Enfastiado da cidade, o senhor tinhoso comprou uma fazendinha e para ela conduziu Cérbero. Dias depois o cão do inferno apareceu morto. E a fidaputa ria como nunca. “Foi você, peçonhenta? Pois vou arranjar um lobo, um lobo-mau. E sabe quem vai ser a vovozinha?”
Assustado com os gritos da velhaca, o pobre lobo mal podia pensar em chapeuzinho-vermelho. Assim mesmo, não durou muito. “Foi você, mulher-macho? Pois fique sabendo que agora eu vou criar uma onça”.
O pequeno felino mais parecia uma gatinha de pelúcia. Dona pelanca, no entanto, jurava-lhe morte a toda hora. Passados meses, Puma já devorava pintos e patinhos. A seguir deixou de lado a pedofilia e se voltou para as galinhas. Teve desenvolvimento rápido. Das galinhas passou às cabras e destas, às vacas. “Isso é um monstro, jaguar de duas patas”. O homem sorria. Mais dia, menos dia, Puma devoraria a mulher.
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