e pastam em nós os rebanhos
escondidos à sombra de nós mesmos
à superfície enferrujada das pálpebras
dos anos
onde noturnas pequenas aves
ciscam o mármore dos relâmpagos
fátua fauna de árvores e homens
de pássaros que conduzem
os ventos
sobre as fibras secas do coração
velhas caves de silêncio e palha
de um rio que não volta à nascente
mesmo carregado nos ombros
nos escombros áridos dessa solidão
cai à tarde em alarido
o relógio ainda sonolento pari horas
e os homens envelhecem nas margens da tarde
no fundo do corpo onde a morte mora
sei
porque a mim mesmo ensinei
o surdo alfabeto da sorte:
morrer é ficar encantado
entre a corda
o abismo
e as sobras
que sobram da morte
outros homens amaram a madrugada
jogaram dados com seus mortos
naqueles dias
o tempo era um bêbado
encostado nos muros
por ele
sonharam licores e conhaques
e vagaram na mesma insônia dos copos
mas não escavarei o coração estrangeiro
quando a vida passar pela janela
carregando seus olhos
a vida sempre passa pela janela
viajando segredos e homens
perdidos
pendurados entre as farpas dos varais.
II
eram vaga-lumes os sonâmbulos da cidade
o quarto era calabouço
os homens arrastavam-se nos campos de centeio
e soavam tambores
e tinham a cor do fogo e dos dias
um grito:
o silêncio apunhalado na tarde
o rito:
um louco de chapéu engraçado
furou os olhos de deus
e deus agora está cego e clama nomes e auroras
* holden, holden, holden caulfield...
olha o teu abismo de apanhar homens
mas não deixa que teus olhos
ceguem outros olhos
e clama
e chora
o instante é trágico, um verbo de uvas negras
os segredos são dardos e picam o coração dos homens
sei
porque a mim mesmo ensinei
a suicida ceifa dos dias
essa ampulheta que teima
em prosseguir
quando um homem desce ao Hades
e bebe o elixir dos profanos
nos idos de sua lida
alguma parte em si fica poeta
pelo resto da vida
o poema é navalha que corta e consola
o poeta um maestro de facas
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