Houve um tempo em que não precisávamos de muitas palavras para viver em sintonia. A vida fluía de forma simples, mas nem por isso com menos emoção. Houve um tempo que sequer percebíamos a escassez das coisas. Tudo parecia perfeito, em plenitude. Recostada a um sofá estilo art-déco, ouço Louis Armstrong – What a wonderful world... Sua voz eriça meus pêlos e, como uma gata, me enrosco, revendo mentalmente cenas de um passado longínquo e ingênuo, quando simples trocas de olhares eram celebradas com tons que só almas puras possuem.
Narcisa, com seu carrinho-de-mão, de casa em casa, recolhendo tralhas. Era a xepeira. Gostava do ofício. Com voz rouca, gritava: – Quem tem? E a alegria explodia a cada quinquilharia obtida. Onde arrumava espaço para tanta desnecessidade? Por onde andará Narcisa? Sirenes, correrias, pivetes atacando nas esquinas, mendigos sob as marquises, seqüestros-relâmpagos, chacinas. Negação da cidadania.
Procuro meus licores... Na bombonière encontro um bombom Sonho de valsa; o mesmo daqueles tempos cheios de louvores quase sacrossantos. Ao longe, por coincidência, ou sinal de Deus, ouço o badalar dos sinos. Mastigo o bombom, que se dissolve pouco a pouco na língua, e sinto um prazer indescritível.
E os sinos tocam. Vibrantes. Por mim!
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