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sexta-feira, 31 de agosto de 2007

A exposição Malfatti (Enéas Athanázio)

(A lavadeira, de Anita Malfatti)

Comemora-se neste ano o 90º. aniversário da exposição pioneira de Anita Malfatti (1896/1964), um dos mais importantes eventos da fase pré-modernista no País, apontado mesmo como o seu marco inicial. Depois de ter estudado nos Estados Unidos e na Alemanha, sofrendo forte influência do que seria chamado “expressionismo” e das correntes de vanguarda européias, a pintora paulista abriu sua exposição em 12 de dezembro de 1917, na capital paulista, expondo 53 obras realizadas desde dois anos antes, além de pequena mostra didática de colegas americanos, tentando assim documentar a linha da arte moderna de então.

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

O descanso do criador (Nilto Maciel)










E havendo Deus terminado no dia sétimo a sua obra, que fizera, descansou nesse dia de toda a sua obra que tinha feito.
Gênesis


 
O mágico chegou a Palma falando pouco e dizendo-se dinamarquês. Para facilitar a comunicação com os palmenses, escreveu numa folha de papel, em grandes letras, duas palavras: Egill Raunkiaer. E, rindo, apontou um dedo para o próprio peito.
As primeiras mágicas aconteceram imediatamente após a sua chegada. E só então o povo soube estar diante de um mágico. Egill se cercou de mais gente. A praça parecia em dia de festa religiosa.

terça-feira, 28 de agosto de 2007

“Bolha de osso”: estética do inconcluso (Aíla Sampaio)



A Literatura pós-moderna tem como uma de suas principais características o ecletismo. Há espaço para todas as tendências: tradição e modernidade dialogam sem problemas, os gêneros se entrecruzam, legitima-se a pluralidade. Parte da geração 90, especialmente a da prosa, tem abolido o discurso linear e investido na fragmentação do texto, modelo que vem de experiências anteriores como as de James Joyce, Virgínia Woolf e Oswald de Andrade, entre outros transgressores em sua época. A tradição permaneceu ao lado dessas novas invenções. Nelson de Oliveira, no prefácio da coletânea Geração 90 – os transgressores, falando desse assunto, convoca o leitor a “deixar de lado a conotação apenas positiva do termo transgressão e meramente negativa de conservação”. Confirma, assim, a ampliação dos espaços para todas as tendências, ao dizer que tradição e ruptura são “forças equivalentes, ambas trazendo no bojo cargas igualmente positivas e negativas”. A esse respeito, Bauman diz: “Os estilos não se dividem em progressista ou retrógrado, de aspecto avançado ou antiquado. /... / Todos os estilos, antigos e novos, sem distinção, devem provar seu direito de sobreviver, aplicando a mesma estratégia, uma vez que todos se submetem às mesmas leis que dirigem toda a criação cultural, calculada – na frase memorável de George Steiner – para o máximo impacto e obsolência imediata”.

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Chão pintado de sangue (Nilto Maciel)













Há anos George Pinho escrevia umas prosas sem pé nem cabeça. E se regozijava com a cara de burrego dos leitores. Diziam não ter entendido nada. Ele ria muito e completava: o problema é seu. Mas se cansou de tanto rir dos outros e decidiu escrever contos urbanos realistas. Arranjava pretextos para passear pela cidade. Queria conhecer de perto os tipos populares, presenciar cenas do cotidiano. Anotava num caderno sinopses de histórias. Uma delas teria apenas dois personagens: um mendigo ou menino de rua, drogado, e um poeta popular ou panfletário. A ação se daria numa praça. Que ação seria essa? Que conflito ocorreria? Para encontrar as respostas, quase todo dia passava pela Praça do Ferreira, metia-se em lojas, lanchonetes, bancos, e, principalmente, andava de lá para cá, olhos e ouvidos atentos.

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Poemas de Rubén Darío (Traduzidos por Anderson Braga Horta)

(Rubén Darío)




A JUAN RAMÓN JIMÉNEZ


¿Tienes, joven amigo, ceñida la coraza
para empezar, valiente, la divina pelea?
¿Has visto si resiste el metal de tu idea
la furia del mandoble y el peso de la maza?


¿Te sientes con la sangre de la celeste raza
que vida con los números pitagóricos crea?
¿Y, como el fuerte Herakles al león de Nemea,
a los sangrientos tigres del mal darías caza?


¿Te enternece el azul de una noche tranquila?
¿Escuchas pensativo el sonar de la esquila
cuando el Ángelus dice el alma de la tarde?...


¿Tu corazón las voces ocultas interpreta?
Sigue, entonces, tu rumbo de amor. Eres poeta.
La belleza te cubra de luz y Dios te guarde.




A JUAN RAMÓN JIMÉNEZ


Diz-me, jovem amigo, tens cingida a couraça
para a divina liça iniciar, valente?
Notaste se resiste o metal de tua mente
à fúria da espadada ou ao peso da maça?


Sentes que tens o sangue dessa celeste raça
que vida com o número pitagórico idéia?
E, como o forte Heracles ao leão de Neméia,
aos sanguinários tigres do mal darias caça?


Enternece-te o azul de uma noite tranqüila?
Escutas pensativo o sino que destila
badaladas pelo Ângelus, que diz a alma da tarde?...*


Teu coração as vozes ocultas interpreta?
Segue, então, o teu rumo de amor. Tu és poeta.
A beleza te cubra de luz, e Deus te guarde.




MARGARITA


¿Recuerdas que querías ser una Margarita
Gautier? Fijo en mi mente tu extraño rostro está,
cuando cenamos juntos, en la primera cita,
en una noche alegre que nunca volverá.


Tus labios escarlatas de púrpura maldita
sorbían el champaña del fino baccarat;
tus dedos dehojaban la blanca margarita,
“Sí... no... sí... no...” ¡y sabías que te adoraba ya!


Después ¡oh flor de Histeria! llorabas y reías;
tus besos y tus lágrimas tuve en mi boca yo;
tus risas, tus fragancias, tus quejas eran mías.


Y en una tarde triste de los más dulces días,
la Muerte, la celosa, por ver si me querías,
¡como a una margarita de amor te deshojó!




MARGARIDA


Lembras-te que querias ser uma Margarida
Gautier? Fixo em minha alma teu raro rosto está,
de quando ceamos juntos, na primeira surtida,
em uma noite alegre que nunca voltará!


Teus lábios escarlates de púrpura maldita
sorviam o champanha do fino baccarat;
teus dedos desfolhavam a branca margarida:
“Sim... não... sim... não...” – sabias que te adorava já!


Depois, flor de Histeria! tu choravas e rias;
teus beijos, tuas lágrimas minha boca provou;
tuas risadas, queixas, fragrâncias, possuí-as.


E numa tarde triste dos mais ditosos dias
a Morte, a ciumenta, por ver se me querias,
como a uma margarida de amor te desfolhou!






ITE, MISSA EST


A Reynaldo de Rafael


Yo adoro a una sonámbula con alma de Eloísa,
virgen como la nieve y honda como la mar;
su espíritu es la hostia de mi amorosa misa,
y alzo al son de una dulce lira crepuscular.


Ojos de evocadora, gesto de profetisa,
en ella hay la sagrada frecuencia del altar:
su risa es la sonrisa suave de Monna Lisa;
sus labios son los únicos labios para besar.


Y he de besarla un día con rojo beso ardiente;
apoyada en mi brazo como convaleciente
me mirará asombrada con íntimo pavor;


la enamorada esfinge quedará estupefacta;
apagaré la llama de la vestal intacta
¡y la faunesa antigua me rugirá de amor!




ITE, MISSA EST


A Reynaldo de Rafael


Adoro uma sonâmbula com alma de Heloísa,
que é virgem como a neve e funda como o mar;
seu espírito é a hóstia que em amorosa missa
alço ao som de uma doce lira crepuscular.


Olhos de evocadora, gesto de profetisa,
deixa ver a sagrada freqüentação do altar;
seu riso é o suave sorrir de Monna Lisa;
seus lábios são os únicos lábios para beijar.


E hei de beijá-la um dia com rubro beijo ardente;
apoiada em meu braço como convalescente,
fitar-me-á, assombrada, com íntimo pavor;


quedará estupefata a esfinge enamorada;
apagarei a chama da vestal intocada
e a faunesa primeva me rugirá de amor!




EL CISNE


A Ch Del Goufre


Fue en una hora divina para el género humano.
El Cisne antes cantaba sólo para morir.
Cuando se oyó el acento del Cisne wagneriano
fue en medio de una aurora, fue para revivir.


Sobre las tempestades del humano oceano
se oye el canto del Cisne; no se cesa de oír,
dominando el martillo del viejo Thor germano
o las trompas que cantan la espada de Argantir.


¡Oh Cisne! ¡Oh sacro pájaro! Si antes la blanca Helena
del huevo azul de Leda brotó de gracia llena,
siendo de la Hermosura la princesa inmortal,


bajo tus blancas alas la nueva Poesía
concibe en una gloria de luz y de armonía
la Helena eterna y pura que encarna el ideal.




O CISNE


A Ch Del Goufre


Foi numa hora divina para o gênero humano.
O Cisne antes cantava tão-só para morrer.
Quando se ouviu o acento do Cisne wagneriano,
foi em meio a uma aurora, foi para reviver.


Por sobre as tempestades de nosso humano oceano
se ouve o canto do Cisne; não se cessa de ouvir,
dominando o martelo do velho Tor germano
ou as trompas que cantam a espada de Argantir.


Oh Cisne! Oh sacro pássaro! Se antes a branca Helena
de um ovo azul de Leda brotou de graça plena,
sendo da Formosura a princesa imortal,


sob tuas brancas asas a nova Poesia
concebe numa glória de luz e de harmonia
a Helena eterna e pura que encarna o ideal




QUE EL AMOR NO ADMITE CUERDAS
REFLEXIONES


(A la manera de Santa Ffe)


Señora, Amor es violento,
y cuando nos transfigura
nos enciende el pensamiento
la locura.


No pidas paz a mis brazos
que a los tuyos tienen presos:
son de guerra mis abrazos
y son de incendio mis besos;
y seria vano intento
el tornar mi mente obscura
si me enciende el pensamiento
la locura.


Clara está la mente mía
de llamas de amor, señora,
como la tienda del día
o el palacio de la aurora.
Y al perfume de tu ungüento
te persigue mi ventura,
y me enciende el pensamiento
la locura.


Mi gozo tu paladar
rico panal conceptúa,
como en el santo Cantar:
Mel et lac sub lingua tua.
La delicia de tu aliento
en tan fino vaso apura,
y me enciende el pensamiento
la locura.


QUE O AMOR NÃO ADMITE PRUDENTES
REFLEXÕES


(À maneira de Santa Ffe)


Senhora, Amor é violento,
e quando nos transfigura
nos incende o pensamento
a loucura.


Não peças paz aos meus braços
que prendem os teus sem pejos:
são de guerra os meus abraços
e são de incêndio os meus beijos;
e seria vão intento
o tornar-me a mente escura
se me incende o pensamento
a loucura.


Minha mente se alumia
das chamas de amor, senhora,
tal como a tenda do dia
ou o palácio da aurora.
E ao odor do teu ungüento
te segue minha ventura,
e me incende o pensamento
a loucura.


Meu gozo teu paladar
rico favo conceitua,
como no santo Cantar:
Mel et lac sub lingua tua.
O dulçor do teu alento
em tão fino vaso apura,
e me incende o pensamento
a loucura.
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quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Trapos (Nilto Maciel)



Tomás olhava para os carros em movimento. Trânsito maluco! Os motoristas dirigiam em alta velocidade. Agarrado ao volante, Gilberto nem piscava. Já se tinha acostumado àquilo. Dirigia em Brasília há quase vinte anos. E também no Rio, em São Paulo, outras cidades, estradas. Não apenas acostumado: não sentia nenhuma dificuldade em dirigir. O colega afrouxou o laço da gravata, coçou o queixo e se voltou para ele. Como as pessoas podiam se acostumar ao caos? Carro, o grande mal da humanidade. Se o homem não acabasse com o carro nos próximos dez anos, a vida ia ficar insuportável. Não falava apenas da poluição, porque os combustíveis usados hoje podiam ser substituídos por não poluentes. Falava do excesso de veículos nas ruas, dos engarrafamentos, dos atropelamentos, dos acidentes. Além disso, as pessoas não andavam mais, viviam dentro dos carros. Gilberto tentou falar. O outro aumentou o tom da voz. Sempre mais solidão, o isolamento das pessoas. Gilberto sorriu e levou a mão direita ao boné. Ora, não fossem os carros, seria muito mais difícil viver nas grandes cidades. 

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Seca: A estação do inferno (Dimas Macedo)


(Teoberto Landim)

A formação de um escritor de talento está ligada, indissoluvelmente, à capacidade por ele demonstrada de reduzir, ao plano literário, de forma continuada, obsessiva e sempre com ânsias de perfeição e aprimoramento, a dispersão do seu imaginário, dando-lhe unidade e sentido morfológico e polifônico.

Todo escritor que se preza é resultado desse desafio e dessa intermitência que se alojam nos recessos da sua vida interior. Já sustentei que a inspiração é um elemento secundário na perspectiva de um produtor cultural de estofo. Ela configura, às vezes, apenas um sinal ou pode expressar também um signo que o movimento das forças sociais coloca diante da realidade que se quer mutante em face de um mundo conturbado.

sábado, 18 de agosto de 2007

Restos de feijoada (Nilto Maciel)




















Depois do almoço, Alexandre dormiu. E logo se viu rei. Sim, rei de verdade, rei negro, rei ardente. Seu corpo ardia como nunca, mais do que nos dias de muito calor, de muita febre. Punha a mão no espaldar da cadeira real e logo os súditos gritavam: tire a mão daí, rei nosso, senão o trono pega fogo. Por onde passava, tudo se queimava. O chão se fazia vermelho, feito brasa. Ninguém ousava se aproximar dele. A rainha se esquivava a todo momento. Longe do pai, os príncipes corriam pelos campos, aos gritinhos. Alexandre se irritava com tanto medo. “Têm medo de morrer, desgraçados?” Furioso, agarrava até a morte os súditos mal-educados, mentirosos, impiedosos, desleixados, vaidosos... Aos prantos, os mais covardes se ajoelhavam aos seus pés, pedindo misericórdia. E mais ele os abraçava, ardorosamente. Amarrados pelos pés, os inimigos tremiam ao vê-lo. “Aproximem-se de mim.” Eles não saíam do chão, como se pregados. Os algozes os arrastavam. Os inimigos choravam, berravam, pediam clemência. Porém o rei os atraía e, vagarosamente, os ia queimando. Os inimigos viravam montes de carne assada. “Joguem tudo nas panelas. Hoje teremos feijoada para todo o reino.” Os cozinheiros do castelo haviam posto à sua frente panelões de água temperada. Para que isto, majestade? Para cozinhar os perversos, os maus, os inimigos do nosso reino. Fabricassem grandes caldeirões. Cozinharia todos os inimigos. Faria grandes feijoadas. Plantassem mais feijão preto, engordassem os porcos. Trouxessem feijão, água, toucinho, lingüiça, paio, orelhas e pés de porco, todos os ingredientes da melhor feijoada. E ria, gargalhava, bebia, enchia-se de cachaça, água, ardente como sempre. Súbito alguns de seus melhores amigos, conselheiros e parentes o agarraram e ameaçaram lançá-lo ao fogo ou dentro de um dos caldeirões. Iriam comê-lo com arroz, farofa e cachaça. E gargalhavam.

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

Diálogo entre Brasil e África (Adelto Gonçalves *)




Houve uma época, há meio século, apesar das dificuldades de comunicação de então e da ditadura salazarista que grassava, que havia maior intercâmbio entre os intelectuais do Brasil e de Angola, Moçambique e outras terras africanas em que se fala o português. Não acreditam? Pois leiam o que Salim Miguel, escritor brasileiro que anda na juventude de seus 80 anos, reuniu em «Cartas d´África e Alguma Poesia» (Rio de Janeiro, Topbooks/Academia Brasileira de Letras, 2005).

terça-feira, 14 de agosto de 2007

Apontamentos para um ensaio (Nilto Maciel)


























Chegou antiquíssima, atual e eterna, com a sua cara de máscara.
Moreira Campos, Dizem que os cães vêem coisas.



No dia 7 de maio de 1994 Mauritz Zetterling chegou a Fortaleza. Não esperava nenhuma recepção, quer no aeroporto, quer no hotel. Afinal, ninguém da cidade o conhecia. Ninguém sequer sabia de sua existência. Talvez algum estudioso de literatura já tivesse lido seu nome. E se essa pessoa tivesse lido seus livros? Não, seus livros não haviam sido ainda traduzidos para o português. Nem mesmo em Portugal. Decididamente nenhum habitante de Fortaleza o conhecia. Ele, porém, conhecia uma pessoa daquela cidade. Não, não conhecia a pessoa, mas a obra literária dela. Pequena parte da obra, é verdade. E com aquela viagem tinha exatamente o objetivo de conhecer pessoalmente o autor de uns maravilhosos contos que havia lido em Estocolmo. Ah! como ansiava conversar com Moreira Campos. 

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Opai a flecha a gosto (Clodomir Monteiro)



Quem gera a flecha octogonal


I
Introdução do pai outono
o pai na flecha que o define
não finda o fim de quem o tem
se quem não tem vivo o seu arco
vive a procura pela haste
arremessada sem a ponta
II
constante arte armadeira
constante a haste de madeira
provida pedra aguçada
pontuda tem inconstante ferro
flèche a origem fala mecha
penas ou barbas nesta langue
III
objeto forma da flecha
se quem ataca quer vencer
munida vem de um entalhe
adaptado à corda d`arco
o pai será bem conformado
ele objeto flecha e seta
IV
pai geometria octogonal
a quem do raio perpendicular
à corda o pai acerta geometria
flecha jungida entre esta e o arco
gera figura a outra flecha bela
da natureza parteira da vida
V
na arquitetura dos arque dutos
agulha de piramidal remate
da torre igreja obra sacro oficio
templo arquiteto demais edifícios
o pai agulha construtor profano
provê fachada santos aquedutos
VI
paterna construção mecânica
Pai curvatura viga que situa
peça obediente transversal esforço
integra inteiro o seu comprimento
à largura abaixo e acima flutua
não cria só com a terra mãe atua
VII
reina sagittaria montevidensis
na embocadura também reina flecha
do pai rebento enxerto terminal
flecha galocha a proteger a brecha
inflorescência fogo das gramíneas
pai planta aquática ornamental
VIII
botão da paternidade botânica
sinal do desenho certeira flecha
durante a vida educa e dirige
pai quase sempre martim - pescador.
busca comida outonando amor
flecha de parto filho pai revive

Rio Branco, 1 / 2 – 8 – 2007
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sábado, 11 de agosto de 2007

Lilith segundo Paspa Tordre (Nilto Maciel)



















O mais novo livro de Paspa Tordre, intitulado Os Filhos de Lilith, tem recebido as mais acerbas críticas. Desde criança Lilith quis ser fêmea humana, embora fosse deusa ou demônio feminino. Fantasiava-se de mulher, pintava-se, dançava, requebrava-se. E cresceu muito bonita, encantadora. Sonhava com heróis, homens fortes, guerreiros, reis. Imaginava cópulas intermináveis com seus amantes imaginários. E dessas relações nasciam crianças também fortes, futuros heróis. Lilith queria se perpetuar em muitos filhos. No entanto tinha consciência da transitoriedade da vida. Com a velhice também chegava a infertilidade. Assim, não se conteve mais e passou a freqüentar os leitos dos homens mais poderosos de sua terra, casados e solteiros. Conheceu o rei Gilgamesh. Coabitou com ele em suas noites de maior cansaço, exatamente durante o período da construção da muralha de Uruk.

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Carnavalha, romance de Nilto Maciel














A Editora Bestiário (www.bestiario.com.br - Rua Marquês de Pombal, 788/204, Porto Alegre, RS, 90540-000) acaba de lançar novo livro de Nilto Maciel, o romance Carnavalha (186 páginas).
Os leitores interessados na aquisição do livro podem fazer pedido também ao escritor: niltomaciel@uol.com.br
O preço do exemplar é R$20,00 (vinte reais).
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quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Derroteros (Rolando Revagliatti)




La fresca y pimpante criatura unióse en matrimonio a Feliciatti tres largos años antes de prendarse de Valentina. Con él tuvo gemelos robustos. Dejóse destinar para Feliciatti por su padre, a quien también su esposa había sido destinada por el suegro. De blanco frente al altar, con todos los permisos y plácemes familiares recibidos, sociales y religiosos otorgados, regodeóse por vez primera imaginándose a solas con Feliciatti. Feliciatti, de exactamente el doble de su edad.
Espléndida ella por simple existencia, sin artificios, casi sin poses. Feliciatti, barnizado comerciante en comestibles, en cambio, ampuloso y plagado de latiguillos. Amante ponderable después de todo, lograba estremecerla. Los gemelos, como dije, robustos, nacieron sin dificultad.
El flechazo entre Valentina y la fresca y pimpante criatura prodújose en la fiesta donde descubrieron que la progenitora de Valentina, en su condición de obstétrica, había asistido a la progenitora de la progenitora de los gemelos en el parto en el que vio la luz.
Cuando la obstétrica enviudó, Feliciatti, por despecho, enterado de la incidencia de Valentina en su cónyuge, decide seducir a la obstétrica. Empieza la noche misma del velatorio del marido, y redondea la entusiasmante tarea, semanas después. Valentina y la destinada a Feliciatti festejaron el salpimentado romance.
Cristalizadas perduran más o menos así las cosas. Socios y barnizados comerciantes, habiendo adoptado con naturalidad los latiguillos alocutivos de su padre, los gemelos, hombres de bien, se mantienen indeclinablemente robustos y ampulosos.
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segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Os urubus e Deus (Nilto Maciel)


























– Qual a diferença entre a alma e um passarinho?
O que é a alma, Isaac Leão Peretz

(...) formavit igitur Dominus Deus hominem de limo terrae et inspiravit in faciem eius spiraculum vitae et factus est homo in animam viventem (...)
Vulgate, Genesis, 2:7

O urubu avistou o corpo do menino, empinou-se e bateu as asas. Não pude fazer nada. Aliás, nunca posso fazer nada. Não devo fazer nada. Não posso estorvar os impulsos instintivos dos urubus, nem dos leões, nem dos sapos. Todos eles precisam sobreviver. Os olhos da alma do menino pareciam horrorizados. Então ele, um ser humano, pequenino ser humano, recém-nascido, indefeso, deveria morrer para que urubus sobrevivessem? Não entendia a lógica da morte. 

sábado, 4 de agosto de 2007

Uma história secreta (Tércia Montenegro*)


Agora que estamos envelhecendo, Ismália, posso ter tua mão entre meus dedos enquanto penso que talvez seja improvável que me abandones, porque afinal continuo gordo e lento, mas fiquei velho e ninguém repara mais em mim, e tu também – embora tenhas conservado as medidas de solteira – perdeste o viço da pele; agora que provavelmente muitos homens já não te olham com desejo, posso ficar mais tranqüilo. É verdade, Ismália, que se torna difícil acostumar-me com o sossego, quando por vinte anos sofri, esperando que cada dia fosse o último, que me dissesses Estou farta, e batesses a porta sem mesmo levar tuas coisas. Nem quando estiveste grávida fiquei certo da tua permanência em minha casa; pelo contrário, a cada enjôo ou irritação sentia-me culpado e te levava a passeios, e te achava aborrecida comigo, pensando no que eu poderia ter feito de errado, e depois do parto, quando esperei que ficasses mais gorda, recuperaste em pouco mais de um mês a silhueta, apenas teus seios cresceram, e isso te fez ainda mais bonita. Bonita, apesar do ódio que sentias ao acordar com o choro da criança querendo mamar – muitas vezes temi que sufocasses o menino, tão enraivecida acordavas, a camisola mostrando um seio, os cabelos desalinhados. Quando teu filho se acidentou, aos quatro anos de idade, e não voltou do hospital, tive certeza de que partirias. A morte da criança era motivo suficiente para que dissesses que nada mais te ligava a mim (e eu poderia responder que o menino nunca fora uma ligação entre nós, pois não era meu filho), mas nem assim me deixaste.

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Um passarinho (Nilto Maciel)




















Viviam numa casa de campo Mateus e Maria. Às vezes ela o chamava de velho, quando ele dizia ou praticava tolices. No entanto, esta história teve início assim: Um gavião ia ao encalço de um passarinho. Na busca de salvação, a caça desceu mais e mais e avistou uma casa. Voavam sobre as copas das árvores, quase a tocá-las. E se a casa estivesse fechada? Arriscaria entrar por uma brecha da porta ou de uma das janelas e, assim, escaparia das garras do predador. A casa se aproximava mais do coitado. Entretanto, as janelas pareciam escancaradas. Logo, o gavião também invadiria a casa. Voava o passarinho já quase sem forças. O pio agudo do gavião soava nos ares. Não havia outra saída, quer dizer, outra entrada, a não ser a janela. Súbito o choque, a dor, o desmaio. Havia um vidro na janela.
Em outra ocasião, Mateus contou a história assim: Perseguido, assustado, em busca de abrigo, ninho, comida (suposições), ofuscado pela luz do Sol, pela neblina (não lembrava mais a hora e a estação do ano), um passarinho esbarrou no vidro de uma janela. O ruído provocado pelo encontrão despertou o dono da casa. Seria ladrão quebrando o vidro? Pedra jogada por moleque? Cauteloso, dirigiu-se à janela. Não, o vidro permanecia intacto, apesar de maculado de sangue. Olhou para o lado de fora: Nem ladrões, nem moleques. No chão, ao pé da janela, agonizava um pássaro. Chamou Maria. Precisava de ajuda.
A mulher contava a segunda parte da história de outro modo: O vento açoitava portas e janelas, em prenúncio de chuva. Mateus passeava pela casa, inquieto. Aproximou-se da janela, a resmungar: “Essa ventania não pára”. Maria queria ouvir notícias na televisão, saber de vendavais, furacões, tempestades, porém o vento atrapalhava e o marido não parava de grazinar. Sentia dor? Não, mas precisava de ajuda.
O homem correu até a sala, abriu a porta, aos gritos, e se precipitou no jardim. O pássaro se debatia, no chão. O vento zunia nas árvores. Formigas se acercavam do corpinho. Uma dúvida ocorreu de imediato: Abandonava a avezinha ou lhe dava socorro? À porta, Maria observava a cena e fazia perguntas. Acocorado, o homem levou as mãos ao chão e, com cuidado de pai, ergueu a criatura à altura do peito. O passarinho piava sem parar.
Para Maria, mal se aproximou da ave, Mateus se ajoelhou e, quase a chorar, se pôs a dar consolo ao moribundo. Acolheu-o nas mãos, ergueu-se e voltou para casa, a perguntar pela gaiola. Tempos passados livrara um pássaro mantido na prisão. E a gaiola, por que não a destruiu? Porque não havia mal nenhum nela. Mal havia no aprisionamento de pássaros.
A mulher buscou a gaiola e, às pressas, a depôs aos pés do homem. Não, antes de aprisionar o passarinho, urgia fazer-lhe curativos, dar-lhe alpiste. Onde achar alpiste? Servia qualquer comida: Arroz cozido, banana, água. Dias e noites de cuidados. Acordava assustado: Teria morrido a avezinha? E se o gavião voltasse, disposto a rematar a caçada? Maria se irritava. Fosse cuidar da casa, do jardim.
Nunca mais apareceu o rapinador, e o passarinho sarou, cresceu, cantou. O homem se animava, a rezingar: Filhos e netos precisavam ver a ave. Maria se agastava: Os filhos precisavam cuidar de si mesmos e dos próprios filhos; os netos careciam de brincar, estudar, viajar. Passarinhos gostavam de matas, liberdade. Soltasse o passarinho. Mateus cuidava cada vez mais do prisioneiro.
A mulher contou o último capítulo da história assim: O velho fez questão de convidar filhos e netos para um almoço. A casa vivia tão sem graça, silenciosa, sossegada! Necessitava de gente, barulho, vida. Não se acostumava a viver sozinho com Maria.
Para Mateus almoços e jantares significavam alegria. Saudades dos tempos de infância dos filhos. Naquele tempo tudo, até o choro dos meninos, terminava em riso.
Naquele almoço de fim de vida, Mateus serviu o passarinho aos filhos e netos, como se servisse arroz, feijão, legumes.
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