E havendo Deus terminado no dia sétimo a sua obra, que fizera, descansou nesse dia de toda a sua obra que tinha feito.
Gênesis
O mágico chegou a Palma falando pouco e dizendo-se dinamarquês. Para facilitar a comunicação com os palmenses, escreveu numa folha de papel, em grandes letras, duas palavras: Egill Raunkiaer. E, rindo, apontou um dedo para o próprio peito.
As primeiras mágicas aconteceram imediatamente após a sua chegada. E só então o povo soube estar diante de um mágico. Egill se cercou de mais gente. A praça parecia em dia de festa religiosa.
Mais tarde e no dia seguinte disseram estar a cidade repleta de coelhos e coberta de pombas. Uma sujeira nunca vista. Tudo saído da cartola e do lenço do mágico. Algumas senhoras piedosas até não estariam contra o estranho, se os pobres do Potiú, do Beco do Labirinto, das Lajes matassem e comessem os coelhos e os pombos.
Indignado, o prefeito ordenou a captura dos bichos e multou o mágico em um cruzeiro por cada animal por ele criado. Revoltado, Egill enviou uma revoada de pombas em direção à casa do edil, cobrindo-a de excremento. E pagou com prisão pelo ato de desrespeito e desacato à autoridade-mor de Palma.
Para espanto de todos, o mágico fugiu da cela, sem quebrar o cadeado, sem abrir o portão, sem esburacar chão, paredes ou teto. E voltou à mesma praça. O primeiro coelho saltou da cartola, andou ao redor do seu criador e desapareceu aos olhos dos poucos espectadores. Uma caixa de fósforos se transformou num relógio, uma caneta sumiu, outra pomba saiu do lenço, e logo a multidão se extasiava diante do dinamarquês. No entanto queriam coelhos e pombas. Egill sorria, alisava a cartola e amassava o lenço. “Um coelhinho branco para o meu filho, seu mágico.” Uma pombinha surgia trêmula nas mãos do estrangeiro. Batia as asinhas, voava, voava, e sumia no céu. Um coelhinho saltava da cartola, olhinhos vermelhos de espanto, focinho inquieto, e as primeiras mãos do povo o agarravam sangrentas.
Ora, o mágico precisava banhar-se, alimentar-se, descansar. E, mais tarde estaria de novo na praça. Não, a multidão não aceitava intervalos no espetáculo. Mágico não podia descansar, não sentia fome, não se sujava. Ou criava mais coelhos e pombas, ou se preparasse para o pior. Alguém mais sensato sugeriu deixarem a decisão nas mãos do vigário, do prefeito e do delegado. O estranho podia voltar ao hotel. O povo ia ouvir as autoridades.
Chamado à presença do prefeito, Egill tentou ser claro: para criar tantos coelhos e pombas necessitava de alguns cruzeiros. Nesse caso, criasse também outros bichos. Sim, por que não criar bichos de estimação? Melhor, animais exóticos, selvagens. Leões, elefantes, girafas. Sim, um zoológico. Ora, o Jardim Zoológico de Palma. A grande realização de sua gestão na prefeitura. Eleição garantida para deputado.
Inteirado do projeto zoogênico, o padre concordou com o prefeito. A cidade precisava mesmo desenvolver-se, crescer. Pensou noutra direção e se fez atônito. Ora, um homem não podia criar animais. O administrador quis se irritar, por que um homem não podia criar animais? E os criadores de gado? Por acaso a Igreja então se opunha aos fazendeiros? O vigário também se exaltou. Qualquer pessoa tinha o direito de criar bois, bodes, porcos, galinhas. Porém toda criação era obra de Deus. O boi nascia da vaca, o bode nascia da cabra, o porco nascia da porca, a galinha nascia de outra galinha. O prefeito não concordou com a lição do padre. Da vaca nascia bezerro e não boi, e da galinha saía ovo, e deste nascia pinto.
Ameaçado de excomunhão, o edil custou a entender a descrença do pároco. Porém acreditava nas mágicas do estrangeiro. E correu em busca de apoio do delegado ao seu projeto. O zoológico serviria de diversão para o povo. Palma ficaria famosa em todo o Ceará. E ele, prefeito, se elegeria deputado ou mesmo governador. O tenente passaria a capitão. Não, a major. Quem sabe, a coronel. Envaidecido, o delegado aplaudiu de pé o discurso-plano do chefe.
Convocado mais uma vez à prefeitura, o mágico deixou o povo na praça a ver nuvens. E os cruzeiros, bem, o Cruzeiro não podia ser destruído. Talvez um bom local para o zoológico fosse o campo de futebol. Ou a Praça da Matriz. Não, o vigário não aceitaria ver os bichos diante da igreja. Melhor sacrificar o jogo.
A notícia se espalhou pela cidade feito água. E todos gritaram de felicidade. O prefeito merecia todos os mais pomposos adjetivos.
Porém um homem se levantou contra o projeto do jardim zoológico. Redigia e editava há mais de cem anos um jornaleco. Sempre em oposição ao prefeito, ao delegado, ao deputado, ao governador, ao presidente. Para que gastar milhares de cruzeiros num jardim zoológico, se na cidade faltavam jardins de infância? Chamaram-no de louco, inimigo da criação de coelhos e pombas, anticristo.
O prefeito convocou e contratou todos os homens do município para a construção do jardim. E se iniciou o grande projeto.
No hotel, já reformado e melhorado por exigência do mágico, se refestelava o estrangeiro. E passeava de jipe pela cidade, corria os sítios a cavalo, olhos e mãos nas mocinhas, esquecido de coelhos e pombas. Tratado como lorde, marquês ou rei.
No antigo campo de futebol os muros iam altos, as jaulas se fortaleciam para receber as feras, buracos se escavavam no chão, pequenos lagos se formavam.
Entusiasmado, o prefeito anunciou o dia da inauguração da obra. E convocou de novo Egill Raunkiaer: os animais seriam criados num só dia, no dia da inauguração do zoológico. E por que não em sete dias? Porque ali estavam os seus cruzeiros. E apontou para uma mala a um canto.
Tudo em vão: no dia da criação dos bichos que povoariam o jardim, o mágico desapareceu da cidade.
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