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sexta-feira, 31 de agosto de 2007

A exposição Malfatti (Enéas Athanázio)

(A lavadeira, de Anita Malfatti)

Comemora-se neste ano o 90º. aniversário da exposição pioneira de Anita Malfatti (1896/1964), um dos mais importantes eventos da fase pré-modernista no País, apontado mesmo como o seu marco inicial. Depois de ter estudado nos Estados Unidos e na Alemanha, sofrendo forte influência do que seria chamado “expressionismo” e das correntes de vanguarda européias, a pintora paulista abriu sua exposição em 12 de dezembro de 1917, na capital paulista, expondo 53 obras realizadas desde dois anos antes, além de pequena mostra didática de colegas americanos, tentando assim documentar a linha da arte moderna de então.
Com o título de Exposição de Arte Moderna, a mostra atraiu desde logo numeroso público, talvez pela curiosidade em face do inusitado numa cidade ainda provinciana e conservadora. Entre os primeiros visitantes estavam alguns dos futuros líderes modernistas, como Oswald de Andrade, Di Cavalcanti, Agenor Barbosa, Guilherme de Almeida, Ribeiro Couto, os arquitetos Moya e Przirembel e a pintora Tarsila do Amaral, que “não compreendeu aquelas obras”, segundo registraram os cronistas. No dia seguinte, 13 de dezembro, foi a vez de Mário de Andrade, um dos maiores intelectuais brasileiros e que seria sagrado como o maior líder modernista. A primeira impressão de Mário diante dos quadros expostos foi inesperada: começou a rir, a gargalhar, e não conseguia parar, ficou descontrolado. Mas o enigma daquelas obras mexeu com ele, tanto que voltou em outras visitas, tentando entender o real significado das telas expostas. É verdade que nem todas as reações foram assim pacíficas, tanto que houve até quem ameaçasse furar as telas com a bengala. Mário de Andrade, porém, nunca falaria em seu acesso de risos, talvez envergonhado de sua falta de informação artística, logo ele que era considerado o “magister dixit” na matéria. Com o tempo se tornaria grande amigo da pintora, com quem trocou numerosas cartas, mesmo que jamais concordasse com o recuo dela para uma linha estética conservadora. Dizia-se que Anita cultivou por ele um amor platônico e doentio, sentindo ciúmes até dos seus próprios quadros que Mário mais admirava e das pessoas que o cercavam.
A exposição acontecia em 19l7, no final da I Guerra Mundial, num ambiente impregnado de conservadorismo para o qual arte era o figurativo, a representação “melhorada” na natureza. Ora, uma pintora que exibia homens amarelos, olhos vesgos, fisionomias retorcidas, rochedos azuis, cabelos verdes e coisas do gênero, só poderia causar o escândalo que causou. Raras foram as pessoas que conseguiram aceitar sem choque o que viam. A mostra se transformou no tema do momento. Para completar, no mesmo dia 13, Monteiro Lobato, que andava em briga com a influencia francesa no País, desancou as obras pela imprensa, embora reconhecendo o talento da autora. Tímida como era, Anita Malfatti não suportou a pressão, alterando o rumo de sua arte e recuando para o figurativo e o retrato. Em toda sua longa vida não teve coragem de reassumir a posição modernista, embora sua mostra de 1917 tenha ficado na história e assegurando a sobrevivência da pintora. (2007)
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