Carlos acordou sobressaltado. Os pais falavam alto, discutiam. Do lado de fora, uma pessoa esmurrava a porta. Por que discutiam àquela hora? O medo tomou conta do menino. Ou sonhava? Sonho feito de palavras sem sentido, sons confusos, tumulto indistinto, quase remoto.
Na verdade, Josias batia na tábua porque queria entrar em casa e o pai teimava em não abrir a porta. Dormisse na rua, com os cachorros. Mais gritos e fragor de pancadas. Carlos acordou de vez, o coração a bater em descontrole. A mãe exigia a abertura da porta. Josias não poderia dormir na rua. O homem bradava negativas, vociferava. Aquilo não eram horas de chegar. Fechada a porta, por ela ninguém mais entrava. Somente no outro dia. Dormisse na rua o vagabundo. A mulher chorava, implorava. Deixasse o filho entrar para dormir. O pai teimava. Havia determinado o horário de os filhos estarem em casa: dez horas da noite. Inconformado, o rapaz gritava, chutava e esmurrava a madeira. E ameaçava: se não abrissem a porta, ele a abriria à força.
Em dado momento, a porta pareceu ter sido derrubada. Talvez a tranca tivesse ruído ou os ferrolhos se deslocaram, à custa dos sopapos. Ou terá sido aberta pelas mãos do pai, para evitar o arrombamento? Iniciou-se uma correria dentro de casa. Cinto à mão, o homem se pôs a perseguir o filho sem-vergonha. Corriam, resfolegantes, a gritar. A mãe chorava, pedia calma. Assustados, os meninos se encolhiam nas redes. Pai, mãe e filho corriam pela casa, em fila, cansados, passavam de um cômodo a outro. Apavorado, Carlos se encolhia na rede. Josias passava e o jogava ao léu da noite. O pai o empurrava para mais longe. A mãe o socorria, mas também passava, aos prantos.
Aos poucos foram sossegando. Carlos não soube quando aquilo acabou e de novo dormiu. Talvez quando o pai e filho não mais tiveram forças para correr e falar.
Dias depois, Josias saiu de casa e Carlos nunca mais o viu.
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