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sexta-feira, 11 de julho de 2008

A mão esfolada, de Guy de Maupassant: Uma visão fantástica com o senso comum e a dedução lógica (Ana Carolina Bianco Amaral)

(Guy de Maupassant)

Resumo

A literatura fantástica, desde sua origem, gera um descentramento racional em seus receptores. Com ênfase na ruptura da verossimilhança, o abalo sistematológico racional é acionado, gerando atributos hesitacional, dos quais preponderam os legados da narrativa. As estratégias textuais, o senso comum e a dedução lógica promovem a indução do leitor. Essa transcodificação permite a reciprocidade, interação e participação desse destinatário que, por sua vez, reconstrói a ficção, exercendo a pluralidade entre os significados.

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O movimento romântico, em uma de suas modalidades, destinou-se ao presságio onírico, à leviandade fantasiosa, ao oculto. A ascensão desses caracteres predominantes expandiu-se em vigor. A partir de então, em meados de 1830, com as primeiras traduções de Hoffman na França, o termo fantástico foi apropriado à designação vigente dos escritos literários. Para Todorov (2007), esse tipo de literatura define-se pela hesitação experimentada por um leitor implícito, cúmplice do protagonista, ante a ruptura da verossimilhança narrativa, posicionado ao evento sobrenatural.
Ademais, Irène Bessière (1974) afirma que a falsidade e a hipótese do sobrenatural seriam condições indispensáveis do fantástico. O falso, o irreal, o ilusório devem produzir a ilusão, e não findar a veracidade da narrativa; atingem alguma relação entre a realidade concreta, correspondida entre o texto e a cognição do leitor.

O senso comum e a dedução lógica

A verossimilhança ocorrida dentro da narrativa fantástica prevalece em toda diegese. O cotidiano presente instala o tom real na narrativa, partindo da realidade banal, que se adere à noção pertencente a um grupo social não portador de fundamentação sistemática. Para Cotrim (2001), o entendimento médio, comum, apropriado à maioria das pessoas encontra-se emaranhado de tal maneira que suas noções são caracterizadas por uma junção acrítica de juízos, provenientes tanto da intuição como do campo racional. O resultado obtém-se no devir do conjunto de formulações que servirão como base de orientação para a vida prática do indivíduo como se fossem definitivas. Dentro desse processo cotidiano é comum encontrar a categoria de verdades definitivas e absolutas, devido à ausência de uma fundamentação sistemática, habituada às próprias noções populares.
A literatura fantástica é imbuída de senso comum e percepção que engendram a movimentação do texto. Para Marilena Chauí (1997), não existiria algo chamado particularmente percepção, mas haveria sensações elementares ou dispersas cuja organização seria feita pela inteligência. A percepção seria um objeto da sensação. Enquanto nesta sentimos qualidades pontuais, diversas e dispersas, na outra sabemos que estamos obtendo uma sensação.
O movimento narrativo necessita do cotidiano para coexistir, o aspecto temporal do presente e a singularidade real deste, situa o leitor e as personagens em um espaço qualitativo da realidade. A inserção da irrealidade sobrenatural só tem a repercussão almejada dentro do espaço comum definido, em que o próprio senso social não instaura qualquer tipo de indagação.

A análise

O conto A mão esfolada, de Guy de Maupassant, é representante das obras do século XIX. Na consideração dos aspectos fundamentais, propomos a execução de uma análise fantástica, atendendo ao legado teórico de Tzvetan Todorov e Irène Bessière, coadunando, nesse exercício, as premissas textuais remetentes à declinação lógica e sensorial, que é inerente a cada indivíduo.
A narrativa em questão possui a voz de um narrador-personagem, direcionando a obra ao leitor implicado nos elementos estruturais. Todorov (2003) acredita que a modalização verbal condiciona esse ledor à pratica hesitacional, integrando esse atributo à rotatividade textual.
O cenário do conto é proveniente da verossimilhança. O enredo principia-se com uma reunião informal entre amigos. Pedro, viajante aventureiro, adquire uma mão esfolada de um velho feiticeiro, este afirma que o membro cadavérico apetecia a um assassino. Acontecimentos estranhos são sucedidos na trama. Alguns eventos não-familiares ausentam-se de racionalidade inquirida em uma explicação, como a determinada noite em que o protagonista, após zombar do resquício corporal cadavérico, dependurando-o em seu reposteiro, é vítima da tentativa de assassinato, apresentando vestígios de estrangulamento em seu pescoço. O evento conduz o moço à possível loucura. É levado, dessa maneira, ao manicômio, e falece após o acontecido.
Os fatos sucedidos são discursados por um narrador-personagem. No grupo dos amigos, relatado inicialmente, é posicionado, no diálogo, o verbo embriagar. De acordo com a página virtual Brasil Escola, [s/d], os efeitos do primeiro período causado pelo álcool são a euforia e a desinibição. Esta é apresentada nitidamente no comportamento social dos personagens. O excesso do entusiasmo mantido pelo jovem ao falar da mão corrompe (para o leitor) a autenticidade dessa compra, pois o rapaz poderia estar alcoolizado, equivocando-se a respeito da mesma. Pode-se duvidar sobre a visão do jovem quando ele reproduz a fala; porém, quando o narrador-personagem analisa o objeto e descreve-o, relata então uma visão de terceira pessoa. Tal evento sucede-se porque o narrador reproduz a o discurso no aspecto original, com parágrafo e travessão, reforçando que sua visão não é partidária da singularidade, pois as personagens secundárias também vêem a mão da mesma maneira que o narrador a vê: “-Mas que vai tu fazer dessa coisa horrível? – Inquirimos nós.”
Denominaremos certos elementos textuais de premissas. A primeira inclusão destas dá-se, pois, com a inserção do verbo embriagar, discutido acima.
Com a descrição da mão humana é apresentada a espetaculosidade. O narrador em primeira pessoa se terceiriza para fazer uma descrição do horrível aos olhos dos leitores, abrindo mão de uma visão relativa do objeto. Distanciando-se deste, aproxima-se do ledor e compartilha com ele um grotesco absoluto. O público participa de todo o espaço de maneira natural, pois o cotidiano apresenta-se coerente. Para Irène Bessière (1974), o real é paradoxalmente a melhor medida do fantástico, introduzindo um universo cotidiano acrescido de armadilhas. A descrição da mão esfolada é, pois, a segunda premissa textual.
A origem do membro humano cadavérico é apresentada através do moço que está sob a voz do narrador- personagem. Intenciona-se que o leitor[2] dê credibilidade aos fatos devido à reprodução retórica[3] inserida na obra. A procedência da mão é a premissa número três, pois repercute no discurso persuasivamente e é fundamental para o entendimento da trama. É dedutível que o órgão pertencente a um assassino seja também da estirpe do mesmo. E pelo fato de o feiticeiro ter tido grande afeição à mão, deduz-se que o membro corpóreo pode ter sido vítima de algum feitiço, tornando-se extra-natural. Segundo Houaiss Virtual, 2007, o termo feiticeiro associa-se com bruxo; este utiliza forças sobrenaturais para causar malefícios. Assim, encontramos o princípio da falsidade, pois as premissas situadas no texto facultam entre a verdade e a ilusão. A mão pode, realmente, ter pertencido a um assassino, na mesma medida pela qual o relato sobre a origem dela evoca ambigüidade. Essa incerteza gera uma demasiada expectativa pelo desfecho da história, vividos até então, pelo leitor.
Quando os amigos perguntaram ao jovem qual a utilidade da mão, ele respondeu que a usaria como botão de campainha para assustar os credores. Nota-se a zombaria do moço. Usaria o artifício de uma mão cadavérica para espantar qualquer indivíduo que fosse atormentá-lo, porquanto, qualquer cidadão comum ao ver um objeto de repugnância atrelado à porta se assustaria e se ausentaria do local. Conforme a exposição de Bessière (1974), o autor do fantástico coloca o leitor no centro do seu jogo, fazendo dele um ator, convidando-o para completar uma narrativa descontínua e fragmentada. A intromissão estranha no cotidiano permite que o ledor adentre no espaço da trama e questione o comportamento da personagem que desvirtuosamente utiliza a mão de um cadáver para espantar certos indivíduos. O escárnio em si sugere uma determinada trivialidade, mas o aparecimento do cadáver rompe com o natural. Por esse aspecto surge a indagação de um leitor crente na realidade (respaldo adquirido por um espaço cotidiano) que contradiz a exposição de um membro corpóreo à porta de casa.
Nota-se a quarta premissa. Um personagem aconselhou Pedro a enterrar o resquício humano, caso contrário o dono da mão iria pessoalmente buscá-la. Reforça o pensamento com o provérbio quem matou, matará, subentendendo-se que a mão de um assassino, segundo a versão do feiticeiro, será assassina também. O autor insere esses componentes textuais como lúdicos quebra-cabeças necessitados por uma montagem, atribuindo essa função ao receptor. Tudo é dedutível. O amigo poderia estar zombado de Pedro em decorrência da versão assassina da origem da mão que ele contou. Acredita-se assim, pois o ambiente, como já citado, é intrinsecamente real, e até então é desprovido de anomalias, tudo é natural: horizonte situado na trivialidade banal.
A quinta premissa é exposta no texto. O personagem zombador conta para o seu amigo que ouviu alguém bater à porta logo após a colocação da mão esfolada na campainha. Ao ouvir o batido, chamou por alguém que não respondeu. Ocorre, então, a inserção do sobrenatural como hipótese. Afirma Bessière (1974) que toda narrativa fantástica deve concordar com o plano de revelar o ilusório de maneira convincente sem que ele seja confundido com a realidade, porquanto o tema contribui para dar a aparência da existência real do que jamais existiu. As outras premissas são “pistas” indiretas para o leitor iniciar a dedução do estranho, enquanto a última a ser tratada não é uma hipótese do sobrenatural, mas diferencia-se dos outros casos, pois o receptor[4] mantém assídua a desconfiança ao que concerne a procedência da mão, devido às informações de origem cedidas por intermédio do rapaz, podendo ser alteradas em sua veracidade. O fantástico caracteriza-se por um re-velar, pois as pistas não levam a nenhuma certeza, mas a outras dúvidas.
Torna-se premissa do anti-natural o momento no qual Pedro confessou ter ouvido alguém bater à porta. E mesmo na repercussão desse ato, não obtemos certeza de sua realidade, posta a hipótese de um equívoco, já que o vento da noite poderia causar a impressão de um batido; ou então o jovem poderia estar sonhando, relevando a afirmação de estar na cama no horário da meia-noite, subentendendo-se certa sonolência. Esta o levaria a sofrer de onirismo e, dessa maneira, o personagem enlearia a ilusão com a realidade.
O dono da residência exigiu que Pedro retirasse a mão esfolada da porta externa. O jovem lhe obedeceu, mas a colocou na campainha do próprio quarto.[5] Explanou a necessidade de morrer, analogicamente à ordem religiosa Trapistas. Sua ironia, neste momento, é tópico de excelência, porque encara a seriedade de modo adverso da sociedade. O que fere os outros, agrada-lhe. Dessarte, demarca-se a sexta premissa textual.
Observemos a afirmação executada pelo moço, na qual a mão o fará ter pensamentos sérios todas as noites quando for dormir, ou seja, quando ele sonhar. Neste caso, o sonho não pode ser considerado como um símbolo, pois este seria conotativo, rompendo com o cotidiano verídico, e como vimos, com a anulação do habitual, o fantástico não prevalece. Se o leitor não crer na proposta natural dentro dos parâmetros reais que a narrativa oferece, o sentimento responsável por suscitar o terror e deslumbramento não surgirá. Na psicanálise freudiana (1990), o sonho não seria apenas um entrelaçamento de causas associáveis sem significado, nem uma cadeia de sentidos ocorridos durante o sono, como muitos acreditam, mas um produto individual muito notável do exercício psíquico e possível a uma análise. Deste modo, se explicável psicanaliticamente, de maneira alguma o sobrenatural terá êxito.
O narrador-personagem, após o episódio estranho ocorrido na residência de Pedro, voltou para sua casa e contou ao empregado daquele ter dormido mal. Notemos a sétima premissa. Parecia ao jovem a presença de um homem na casa, e por isso, seu sono estava agitado. Mas ocorre a assunção do descanso noturno. Conseqüentemente, o moço pode ter sido vítima, situação semelhante ao caso exposto anteriormente, de onirismo, não transcendendo a um devaneio a impressão de uma presença de um homem em sua residência. Quando o dia amanheceu, o criado de Pedro bateu em sua porta anunciando a morte de seu patrão. O moço vestiu-se correndo e chegou à casa de seu amigo. Inúmeras pessoas preenchiam o ambiente. Discutiam e conversavam ao mesmo tempo. Cada uma delas narrava o acontecimento ao seu modo. O narrador-personagem dirigiu-se até o quarto onde foi promulgada a morte. Quatro policiais estavam em pé procedendo com suas verificações. Dois médicos conversavam na alcova, e não entravam em um acordo.
Pedro estava em estado de choque e com o aspecto físico horrível. Em seu pescoço havia a marca de cinco dedos bem enterrados. É dedutível, então, que o moço tenha sido estrangulado, considerando-se que somente esse tipo de atentado denotaria a evidência de cinco dedos, e faria a pessoa, pela pressão das mãos, ter a pupila dilatada. Estamos diante do fantástico. Acredita-se que o narrador-personagem (visão plural, e não singular) assumiu a realidade devido ao fato de vários personagens externos como a polícia, o médico e as pessoas estarem, juntamente com o moço, repletos de “curiosidade” sobre o atentado ocorrido. Porquanto, surge a oitava premissa: Pedro se apresentava com aspecto terrível e parecia ter visto algo sobrenatural. Irène Bessière (1974) elucida que a associação do irreal e do real não é possuída de significação própria: ela parece somente o indispensável ingrediente da descontinuidade e uma forma de lembrar a onipresença de um além, do oculto dentro da realidade. Novamente, o leitor “atordoado” faculta entre as indagações sugeridas no texto. Este questionamento é natural diante do fantástico, além de proposital.
É citada a nona premissa: o amigo do Pedro olhou para o posicionamento local do membro humano, no quarto, e não o encontrou. Notemos, ainda, a justificativa do narrador-personagem, dizendo ter olhado à campainha por acaso, denotando sua descrença acerca da hipótese da mão ter enforcado seu amigo, da maneira pela qual o texto sugere ao leitor. Essa falta de malícia ou ignorância do rapaz é comprovada no momento em que ele afirma ser mérito dos médicos a retirada da mão, com a intenção de evitar um possível escândalo entre as pessoas circundantes no local; por isso, não questiona o destino do membro corporal.
A fraqueza da narrativa fantástica, retoma Bessière (1974), é uma ambigüidade na qual o jogo do verossímil e o inverossímil se torna irresolúvel. O texto marca essa dualidade. Por um lado é disponibilizada a realidade cotidiana, na qual os fatos aceitos em até determinados momentos estariam dentro da realidade. Após essa desafetação, ocorre a ruptura do autêntico por ter sido penetrado por um aspecto estranho e sobrenatural.
O narrador-personagem, após certo período, encontrou uma notícia no jornal relatando o atentado, e a recortou. Na nota afirmava-se a caracterização do evento quase assassínio como uma luta violenta entre o jovem e o malfeitor. Reforçava-se que os olhos estavam terrivelmente dilatados, e no pescoço havia a marca profunda de uma mão magra e nervosa. Com esta exposição jornalística a décima premissa é acentuada.
No dia seguinte ao recorte da nota foi publicada outra notícia de jornal, garantindo a ausência de riscos mortais na vítima do atentado; porém, receava-se por sua saúde mental. O narrador-personagem insistiu na loucura do seu amigo e, por essa razão, o visitou no hospício por um período de sete meses. Descrevia que no delírio do paciente ouvia palavras estranhas mencionadas pelo doente e este, como todos os loucos, julgava-se perseguido por um espectro. É apresentada a décima primeira premissa: Pedro, escandalizado, diz que lhe estão estrangulando. O propósito dessa afirmação é a dedução informativa, na qual é outorgada à mão a responsabilidade da tentativa delitosa. Porém, o jovem encontrou-se louco, internado num hospício. Em quem acreditar? Conforme Bessière (1974), a falsidade está típica na narrativa fantástica. O falso e dissimulado apresentam-se como real, porém é contido pela inverossimilhança, ocorrendo, assim, o questionamento do leitor.
Pedro morreu. Sendo órfão, seu amigo, o narrador-personagem, levou o corpo à aldeia da Normandia, onde o jovem havia nascido. Chegando ao local, o padre chamou o moço e os acompanhantes, mostrando a eles um caixão. Havia um esqueleto comprido, deitado de costas, que, segundo o rapaz, parecia o desafiar com o olhar. Ocorre a inserção da a décima segunda e última premissa: Pedro adquiriu a mão em Normandia, como já evidenciado no texto. Quando seu amigo foi à cidade enterrar o corpo, descobriram um túmulo no qual comportava o cadáver. Este possuía uma das mãos amputadas, deduzindo-se, na ausência do membro corporal, ser a mão adquirida por Pedro no evento inicial narrativo.
No outro dia, o narrador-personagem pagou cinqüenta francos ao padre para que este rezasse missas para o repouso da alma do cadáver cuja sepultura foi violada. Esta ação final retoma todas as probabilidades textuais citadas. Não há a afirmação, em momento algum, da conclusão do jovem narrador acerca das hipóteses. A narrativa finaliza-se no estado hesitacional, concedendo todo evento especulativo e conclusivo para o leitor participante. Façamos um emaranhamento entre as premissas:
1. O verbo embriagar. A embriaguez traz como conseqüência a desinibição e a euforia. Estas características manifestam-se em Pedro na ocasião em que o personagem adentra a casa de seus amigos e anuncia trazer a mão de um cadáver; por essa razão o leitor pode questionar se o jovem estava embriagado ou se o seu relato é autêntico;
2. A descrição da mão. A caracterização do membro cadavérico é semelhante ao esqueleto encontrado no túmulo: a mão e o esqueleto, por serem muito compridos assemelham-se, podendo ser partes integrantes do mesmo corpo;
3. A origem da mão. Pedro afirma que esta pertencia a um feiticeiro. Ademais, explana que ela fazia parte do membro corpóreo do assassino. Propositalmente, o texto gera a dedução de que o resquício humano foi vítima de feitiços, considerando a antiga pertença do bruxo, hipoteticamente de má índole, pois pertencia ao corpo de alguém que já havia assassinado outras pessoas;
4. Quem matou, matará. Um dos amigos de Pedro aconselha-o a enterrar a mão, achincalhando a conjetura dela matá-lo. Zombavam, mas o provérbio reforça a idéia na qual a mão era assassina e estrangulou o moço, induzindo a dúvida no leitor;
5. A batida na porta. Após o estudante ter pendurado na campainha a mão esfolada, foi dormir e escutou alguém bater na porta. Levantou-se, perguntou quem estava batendo, não obtendo resposta. Novamente, o fenômeno conduz à ilação, da qual hipotetiza a batida da mão à porta, devendo considerar-se o estado do personagem, pois uma vez dormindo, surge a possibilidade de ter sofrido devaneios instaurados por algum presságio onírico;
6. Pensamento de morte dos Trapistas. Pedro retirou a mão e a colocou dentro de seu quarto e, chacotenando, disse que teria pensamentos de morte. Por essa razão, o leitor hesita na hipótese de estrangulamento da mão, e na poluição dos pensamentos de morte;
7. A impressão do homem na casa do narrador-personagem. Após este ter voltado da casa do Pedro, afirma que ao dormir teve a impressão de que alguém estava na sua casa, algum homem. Ou jovem teve uma ilusão recorrente ao sono, ou realmente havia um homem dentro da casa. A presença dentro da residência explicaria o estrangulamento do sue amigo. Poderia ser qualquer indivíduo que estivesse seguindo os estudantes e cometido o atentado.
8. A marca dos dedos no pescoço de Pedro e sua disforme aparência. Após e estrangulamento do rapaz, a marca de cinco dedos estava soterrada em seu pescoço, e as pupilas estavam dilatadas como se tivesse visto algo terrível, sobrenatural. Hipoteticamente, a mão poderia estar viva, tentado homicídio; porém, não havia pistas da tentativa de trucidamento.
9. A mão desaparecida. O narrador-personagem olhou para o local onde a mão estava e não a encontrou Acredita que os médicos a retiraram da campainha para não escandalizar as pessoas. Não há questionamento sobre a possibilidade da mão (que até então o leitor desconfia) ter executado o enforcamento do seu amigo. Essa indagação origina-se do leitor, que acha estranho um estrangulamento distraído de rastros, juntamente com sumiço da mão cadavérica, que não foi mencionada por nenhum indivíduo.
10. A notícia de jornal. A nota encontrada pelo narrador-personagem afirma que a vítima e o malfeitor mantiveram uma luta exacerbada, enaltecendo a marca situada no pescoço do jovem. O advento incerto desestrutura a confiança do leitor acerca da verossimilhança, abalando o prognóstico da certeza.
11. O escândalo do estudante. O amigo de Pedro foi visitá-lo no hospício quando o louco se levanta e gritando diz que o estava estrangulando. Destarte, incide-se a promulgação do exercício questionador do leitor. A convicção, a autenticidade não são estabilizadas, considerando-se, por conseguinte, a internação do vitimado em um manicômio.
12. O esqueleto de punho cortado e o pagamento pelo enterro. O cura do cemitério encontrou um túmulo cujo cadáver não possuía uma das mãos. O membro corporal estava ao lado, e um personagem secundário afirmou que o resquício olhava para narrador-personagem, parecendo que saltaria em seu pescoço, tencionando a restituição da mão. Ademais, o mesmo alvo do restolho cadavérico mandou rezar missas, não para Pedro que era seu amigo e havia morrido, mas para o a alma do corpo (sem uma das mãos) que estava no túmulo violado. A pretensão das possibilidades é evocada em todo percurso da narrativa.. É evidente a atuação do questionamento que as estratégias provocam. Sendo assim, a assunção do desfecho narrativo é exclusivamente cedido ao ledor.
Explana Bessière (1974) que a narrativa fantástica alia o espetáculo e a ilusão, faz da falsidade seu próprio objeto, na qual o autor zomba do leitor que fundamentalmente participa da obra. Este, não encontrando um equilíbrio entre o real e o sobrenatural, hesita, e essa incerteza é o que faz o fantástico engrandecer-se, elevar-se, tornar-se um gênero no qual o leitor indeciso recorre a si mesmo (quando há permissão do texto), propondo-se a reconstruir as estratégias textuais. O desfecho tão esperado da narrativa não acontece pelas personagens, considerando-se que elas não decidem se a mão esfolada assassinou Pedro ou o enredo fez-se em abordagem ilusória. O ledor, que integralmente hesita entre as premissas depositadas na trama, opta se a mão é assassina e sobrenatural, ou se todos os fatos coincidiram-se. Pois nesse tipo de narrativa, a dúvida não é instaurada pelos personagens, sendo que os mesmos não hesitam, mas somente é acometido pelo amiúde questionamento.
O repertório textual é constituído de elementos que abrangem a pluralidade do enredo. A ocorrência dá-se pelo viés interpretativo das probabilidades estratégicas emanadas pela enunciação. A reconstrução narrativa efetuada pelo leitor é situada no viés literário apresentado pela disposição. Destarte, através do cumprimento dessa leitura, a percepção do ledor é ativada, permitindo a centralização das novas probabilidades que, efetuadas, são sancionadas junto ao senso comum e a dedução lógica, deglutidas no discorrer literário. Portanto, o tratado hipotético fantástico apresentado é assíduo na projeção cognitiva, na qual remonta, desconstrói e reelabora as visadas dos leitores; sendo que, para Foucault [s/d], citado em Borba, a morte da interpretação estaria na sustentabilidade da crença da existência primária de símbolos, como marcas sistemáticas, coerentes e pertinentes, enquanto a vida da interpretação é o crer que não há mais interpretações.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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[1] Aluna especial do mestrado na área de Estudos Literários pela UNESP (Araraquara).
[2] Iser (1996) afirma em sua argumentação teórica que o leitor (implícito) constitui o horizonte de sentido do texto; sendo, dessa forma, conduzido pelas perspectivas matizadas recorrentes à ficção.
[3] Para Ducrot e Todorov (1972), a retórica deve permitir àquele que a possui, atingir, no interior duma situação discursiva, o objeto desejado; ela tem, pois, um caráter pragmático: convencer o interlocutor da justeza duma causa.
[4] Ledor.
[5] A excessividade dos achincalhamentos efetuados no contexto narrativo é cíclica, transportando a peremptoriedade do leitor à ambigüidade notória.
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